sexta-feira, 4 de abril de 2008

VALOR DE JUÍZO ÉTICO – AGREGADOR OU CORRUPTOR HISTÓRICO ?

A História, ao pretender-se como Ciência, lança mão de métodos específicos que contribuem para que esta seja coerente com sua pretensão e assim ostente uma objetividade característica da racionalidade científica. Em História o valor de juízo é costumeiramente visto como algo menor, não científico, não acadêmico, por acreditar-se que este está por natureza empregnado de subjetividade, portanto, não científico, o que significa dizer que esta valoração não seja conhecimento, que por sua vez não trás consigo nenhuma verdade, o que relega a valoração de juízo ao limbo acadêmico.
A humanidade, sob os auspícios dos ideais iluministas do século XVIII vem desde então em uma marcha “civilizatória”; e este léxico vem carregado de valor de juízo, por isso as aspas. A Igualdade propagada desde a Revolução Francesa e antes desta, pela Revolução Americana vem, no transcorrer dos séculos, operado mudanças nas mentalidades do mundo ocidental. A superação efetiva das diferenças continuam sendo um ideal. Entretanto, a Igualdade é uma meta inconteste do mundo ocidental.
Em virtude da busca de Igualdade pela superação das diferenças torna-se um risco valorar a respeito de algo, principalmente quando trata-se de uma cultura diferenciada, digamos assim, para tornar a predicação menos valorativa possível. Então, quando trata-se de realizar valor de juízo ético sobre determinada cultura isso caracterizaria gravíssima heresia acadêmica, sujeita, quem sabe, a uma análoga Inquisição.
Calar-se diante do mundo pode parecer apropriado para o Cético. Porém, para aqueles que procuram conhecer o mundo se faz necessário não apenas a perplexidade diante deste. Tome o caso da China e do Japão por exemplo. Estes países são exemplos de povos cuja respectivas culturas são no mínimo estranhas a um ocidental. Pode-se então basear-se nesta estranheza e setenciar um juízo no qual os valores destes são ditos como errados? Pode-se categoricamente afirmar que esta ou aquela cultura apresenta-se equivocada?
O filósofo alemão do século XVIII, Imanuel Kant afirma em sua obra que a ética é universal, ou seja, que valores morais serviriam para toda e qualquer situação, para todo e qualquer povo e ainda, para todo e qualquer momento histórico. Entrementes, é difícil negar a existência das mais variadas formas de ver o mundo e por conseqüência, das mais variadas visões decorrente disto, ou ainda, das formas variadas de ação em função daquelas. Estaria o Relativismo Moral correto? O que nos diz a Lógica a respeito?
Ao se constituir o seguinte argumento:
(1) Diferentes culturas possuem diferentes códigos morais.
(2) Logo, não há “verdade” objetiva na moralidade, certo ou errado são apenas questões de opiniões, e as opiniões variam de cultura para cultura.
Percebe-se que embora seja um argumento persuasivo não possui consistência Lógica, pois a conclusão não deriva da premissa, mesmo sendo esta verdadeira a conclusão pode ainda ser falsa.
Assim como pode ser falso, este argumento pode ainda ser verdadeiro. Como seria se assim fosse o caso? Não se poderia afirmar que os costumes de outras sociedades são moralmente inferiores aos próprios daqueles que estariam valorando a respeito. No caso do Relativismo Cultural ser verdadeiro inexistiria a competência necessária para afirmar-se, por exemplo, que uma sociedade tolerante aos judeus fosse melhor que uma anti-semita. Pode-se ainda decidir se as ações estão certas ou erradas apenas por meio da consulta aos padrões de uma sociedade, contudo, isso faria com que um sul-africano negro, sob o regime do ‘apartheid’ concordasse com este, pois tratava-se do padrão sul-africano. A verdade do Relativismo Cultural implicaria na colocação de dúvida sobre a idéia do progresso moral da humanidade. Já que progresso implica na substituição da forma de fazer algo por uma forma melhor. Mas sob que padrão uma forma é melhor do que outra? Até mesmo as reformas sociais pleiteadas pelos povos não se justificariam já que dentro deste conceito ninguém pode desafiar seus próprios ideais, já que estes são os padrõs culturais de seu próprio povo que por definição estão corretos e não podem ser contestados.
Observa-se que existem padrões de comportamento universalmente aceitos em qualquer cultura. Não mentir e não matar são exemplos de uma normativa ética universal. No caso da primeira, se não houvesse a censura moral relativa a mentira, ao levar-se esta até as últimas conseqüências haveria um comprometimento do discurso, a comunicação tornaria-se impossível, o que inviabilizaria a existência da sociedade. A conseqüência seria a mesma no caso da segunda. Caso não houvesse censura moral relativo ao assassinato não haveria chances de ter-se formado uma sociedade humana, pois a desconfiança propiciaria o isolamento dos indivíduos.
Portanto, existem regras que são comuns em qualquer cultura, pois estas se impõem como necessárias para a existência da sociedade humana. A existência de normativas éticas universais é clara. Mesmo que um povo as desconheçam isso não significa que as mesmas não existam. Entretanto, mesmo que o argumento que pretende sustentar o Relativismo Ético não possua sustentabilidade lógica-formal, pois sua conclusão não deriva necessariamente de sua premissa maior, fica-se tentado pelo empirismo premente das relações sociais a considerar o Relativismo Cultural ao menos de forma “relativa”, pois existem de fato situações que são meramente cultural, como por exemplo, a mulher cobrir ou não seus seios.
Ao se estudar a história da China e do Japão o pesquisador confronta-se com costumes totalmente diferenciados do ocidente. Formular juízo de valor relativo a estes é uma tentação. Seria correto esta formulação? Ao se fazer tal juízo estaria se deixando de fazer ciência histórica?
Este texto , até o presente momento, transcorreu afirmando que o Relativismo Cultural é falacioso, entretanto, salientou a necessidade de flexibilização. A premissa : “ A valoração de juízo ético é universal.”; não pode ser considerada absoluta, pois assim como existem questões éticas que estão presentes em qualquer sociedade, portanto universais, existem questões que é meramente questão de costume.
Hegel em sua obra póstuma, “Filosofia da História”, inicia o capítulo relativo à China com a seguinte proposição:
“É com o Império chinês que a história deve começar, pois ele é o mais antigo dos que ela dá notícia; isso porque o seu princípio é de tal substancialidade que é ao mesmo tempo o mais antigo e o mais novo.”
Hegel não queria aqui violar o princípio aristotélico da não- contradição, ou seja, dizer e desdizer o mesmo predicado de algo ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto. Quando o grande filósofo alemão diz o que diz e acrescenta, “ao mesmo tempo o mais antigo e o mais novo” ele estava fazendo referência a aspectos diferenciados. A China era realmente o império realmente mais antigo e quando Hegel diz que também era o mais novo ele estava referindo-se a ausência de mudanças substanciais em sua essência no transcorrer histórico. A China apresentava-se como quando ainda era um Estado novo pois inexistiram mudanças.
O ensaio “ A pesada herança histórica da China moderna”, autoria de Vito Letizia, busca na explicação histórica chinesa respostas quesatisfaçam os questionamentos referentes a atual conjuntura política e econômica da China. Letizia inicia seu texto pela Dinastia Han. Relata a forma estamental da sociedade chinesa bem como sua burocracia. Lembra a política de segregaçãodo mandarinato e como esta chega ao século XXI mantendo sua essência, embora sob uma forma política exdrúxula, ou, buscanco manter a imparcialidade, híbrida, que mistura “socialismo” com capitalismo. Forma esta que nada mais é que a manutenção do mandarinato no poder político chinês, ou seja, a China pouco muda, em essência nada.
Letizia lembra como o mandarinato manteve-se no poder durante os séculos e como este poder mantém uma segregação social de uma grande maioria.
O que se pode afirmar quanto ao Japão? Ruth Benedict em sua obra “O crisântemo e a espada: padrões da cultura japonesa” procura a essência do povo japonês, a compreensão desta cultura. No início do capítulo 3 ela inicia dizendo: “ Qualquer tentativa de entender os japoneses deverá começar com a sua versão do que significa “assumir a posição devida”.” Continua explanando sobre o que seria “assumir a posição devida”. Explica ela que é “a confiança japonesa na hierarquia”. Compreender o Japão passaria então necessariamente pela compreensão desta hierarquia e sua devida observância à exaustão em todas as etapas da vida, em todos os segmentos sociais, desde a família, berço e escola deste aprendizado hierárquico.
Segundo as pesquisas de Benedict, a justificativa japonesa para a segunda guerra mundial era a busca por uma conformação, onde os Estados mundiais encontrariam seu devido lugar no mundo. Portanto, em última análize, a obstinação cultural em busca de uma hierarquização das relações de poder mundial levou a parte oriental do mundo a um conflito bélico sem precedentes históricos.
Outro ponto a ser considerado é relativo ao fato de que em uma sociedade baseada no sentimento hierárquico não existe espaço para a Igualdade. Existe sempre a lembrança, quer pela vestimenta, gestos, ou qualquer outro tipo de deferência da devida posição a ser ocupada pelo indivíduo na sociedade.
Dialeticamente o BEM é aquilo que está em coerência consigo mesmo, o MAL é aquilo que contém alguma incoerência. O BEM é aquilo que deve ser, o MAL é aquilo que não deve ser. Segundo os gregos o BEM existe sob muitas formas de virtudes, sendo a Justiça uma virtude ímpar. Porém, o que é Justiça? Para os romanos Justiça era fazer o que era justo. Longe de ser uma proposição tautológica, justo refere-se aqui a parte justa, ou seja, parte igual. Portanto, algo justo é algo que está sob igual condição, ou ainda, JUSTIÇA é EQUIDADE.
Sendo então o BEM aquilo que deve ser e este sendo universal, e ainda, sendo a Justiça uma das formas em que este BEM apresenta-se, esta é válida para todos os homens, sob qualquer condição. Portanto, JUSTIÇA é IGUALDADE.
Hegel em seu último parágrafo do capítulo referente à China na obra já supracitada diz:
“O imperador sempre fala com majestade, bondade paternal e carinho ao povo, que, por sua vez, só possui os piores sentimentos para consigo mesmo, e acredita ter nascido só para puxar o carro do poder da majestade imperial. A carga que oprime esse povo parece lhe ser um destino inevitável. Eles não acham horrível serem vendidos como escravos e comer o amargo pão da servidão.”
Percebe-se aqui que estas frases estão empregnadas de juízo de valor. É perceptível a desaprovação do filósofo à condição de submissão do povo chinês. Letizia em seu ensaio demonstra que após Hegel a situação continua imutável na China até os dias de hoje. Por sua vez, Ruth Benedict demonstra o devotamento do povo japonês a uma cultura hierárquica, na qual tudo encontra respaldo nesta.
Em uma sociedade hierárquica a Igualdade não encontra espaço dentro das manifestações culturais. À luz da razão nota-se aqui que Justiça para ser justa deve refletir Igualdade.
Portanto, tanto a China quanto o Japão são exemplos de culturas onde prevalece a injustiça, pois, seguindo as premissas que conduziram este texto até aqui, a Justiça não pode prescindir da Igualdade, pois JUSTIÇA é IGUALDADE. Situação inexistente tanto no Japão quanto na China.
Não pode se argumentar baseado no Relativismo Cultural, pois como ficou demonstrado este não se sustenta. Os valores morais não podem ser relativizados. Quando estes são formulados à luz da razão eles agregam conhecimento. Entretanto, quando são trazidos à tona sem prévia reflexão servem apenas como premissas falaciosas que corrompem a História, não acrescentam conhecimento e destiue esta como Ciência. Portanto, quando de maneira correta, os juízos valorativos podem e devem ser formulados. Hegel é um exemplo disto.


Bibliografia:

Hegel, Georg W. F., Filosofia da História

Rachels, James, Os elementos da filosofia da moral

Lima, Carlo cirne, Dialética para principiantes

Letizia, Vito, A pesada herança histórica da China moderna
Benedict, Ruth, O crisântemo e a espada: padrões da cultura japonesa

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