quarta-feira, 2 de abril de 2008

ESCOLAS HISTÓRICAS E SUAS VERDADES. VERDADES?

ESCOLAS HISTÓRICAS E SUAS VERDADES.
VERDADES?

“ Em questão de ciência a autoridade de mil pessoas não tem o mesmo valor que o raciocínio humilde de um só indivíduo.”
GALILEU GALILEI

A Verdade, um ser a muito procurado pela humanidade continua sendo fonte de inúmeras controvérsias. A mais ou menos 2.500 anos atrás um tal de Sócrates já se questionava a respeito. Sua vida foi registrada para posteridade por seu discípulo mais famoso, Platão. Esse , entre outros diálogos, escreveu um chamado Teeteto, onde Sócrates pergunta ao personagem que dá título a este diálogo se o mesmo saberia discorrer a respeito do que seria conhecimento. O diálogo prossegue e chegam a três possíveis respostas. Primeiramente argumenta-se que conhecimento seria a Doxa – opinião. Posteriormente percebe-se que a opinião não poderia ser, pois proporcionaria , assim como justificaria, a forma protagoriana de buscar-se a pretensa Verdade epistemológica, onde esta seria relativa a cada opinião, o que tornaria impossível a objetivação do conhecimento.
O diálogo socrático prossegue e chega-se a uma encruzilhada epistemológica e pensa-se então que o conhecimento advém da opinião verdadeira. Entretanto, como conhecer ou ainda reconhecer a verdade por trás de cada opinião? Então suscita-se que o conhecimento é alcançado através da opinião verdadeira justificada. Contudo, o prosseguimento do diálogo demonstra que essa conclusão não seria ainda satisfatória para o elucidamento a que se propôs. Enfim, Sócrates termina o diálogo sem dizer explicitamente como seria possível chegar ao conhecimento e por sua vez a Verdade. Portanto essa obra platônica é considerada uma obra aporética, suscitando questionamentos, entretanto não fornecendo de pronto a resposta efetiva.
Esses questionamentos vêem ocupando as mentes pensantes desde então. Porém a racionalidade, sendo esta um produto histórico, sofreu durante quase toda a Idade Média, uma imensa desacerelação, ou seja, neste período o conhecimento, por conseguinte a verdade, era ditada pela Igreja, sendo esta Soberana e Absoluta representante de Deus na Terra. Sendo desta forma, as verdades deixaram de ser buscadas através da razão, ou ainda, somente através desta. A Igreja impunha suas opiniões como sendo estas Verdades reveladas, não estando estas sujeitas a contestações, pois advinham direto de Deus. Alguns tentaram conciliar a Razão e a Fé e estas tentativas tornaram conhecidos Santo Agostinho, São Tomás de Aquino entre outros.
Ao chegar o fim desse longo período histórico a humanidade retoma o classicismo. Atitude que reflete em toda forma de Cultura, literatura, pintura, arquitetura e na maneira de buscar o conhecimento. A Razão retoma então seu lugar como mestra epistemológica, esse período fica conhecido historicamente como Renascimento. A racionalidade é quem dita a ordem do dia na Modernidade. Com a chegada do século XVIII e com ele o Iluminismo a razão chega ao seu ápice, levando Luz a onde a razão ainda não tinha chego.
Neste período que se iniciava então, a ordem era “Fé na Razão”. No final do século XVIII e início do XIX o conhecimento histórico começa a ser discutido. Partindo de Condorcet , filósofo ligado à Enciclopédia, foi um dos primeiros, senão o primeiro a formular a idéia de uma ciência social.
Condorcet formula uma teoria utópica, contestatória do sistema de então. Esse filósofo dá inicio a Escola do pensamento Positivo, que no período em questão possuía, como já mencionado , um caráter revolucionário. Parece estranho a primeira vista para os historiadores do século XXI observar o Positivismo como uma corrente de pensamento revolucionário já que ele é mais lembrado pelo reacionarismo de August Comte. Entretanto isso se deve ao fato de que o conhecimento, por conseguinte a Verdade, serem produtos histórico sofreram a alteridade do mundo, o Devir histórico.
No momento em que Comte reformula o positivismo aos seus moldes, este, o positivismo, já era parte integrante de uma elite burguesa, a qual encontrava-se no poder, portanto não mais revolucionária .
O positivismo tinha por característica básica o enquadramento epistemológico das ciências Naturais, Físicas juntamente com as Ciências Sociais. Postulavam que para se conhecer a sociedade bastava utilizar sobre esta o mesmo método das Ciências ditas Naturais. Partiam do pressuposto de que a sociedade humana é regulada por leis naturais, que essas mesmas leis regulavam a fisiologia social. Concluíam desse pressuposto então que, para se chegar a conhecer a sociedade em todos seus meandros as leis para tanto seriam as mesmas utilizadas para conhecer a Natureza. O que gerava mais uma conclusão lógica, se partindo do pressuposto defendido, que assim como o processo do conhecimento das ciências naturais eram neutras, livres de qualquer valoração, assim também deveria ser o processo epistemológico das Ciências Sociais.
Posterior a Comte existiram outros positivistas com ideologias diferenciadas. Os mais famosos foram Max Weber e Durkheim. Embora cada um acrescentou seu ponto de vista nesta teoria esta continuava sendo organicista e fisiologista, cujo conteúdo filosófico e epistêmico gerava um olhar conservador e até mesmo reacionário, como no caso de Comte, sobre o mundo. Sendo então, no final do século XIX o Positivismo representava um discurso legitimatório, uma Ideologia de fato, ao contrário do período em que deu sua gênese, onde o discurso era utópico.
Entretanto, juntamente, ou seja, em épocas contemporâneas, surge o Historicismo, outra corrente do pensamento humano. Este pensamento deu origem, no final do século XVIII , a Sociologia do Conhecimento, posteriormente a História como disciplina acadêmica. Essa escola colocou o homem no centro do conhecimento histórico, pois esse é parte da própria História. Essa forma de pensar o conhecimento transforma o homem não somente em sujeito mas também em objeto, ou seja, sujeito observando o próprio sujeito.
Essa maneira de obter o conhecimento resultou em uma problemática: Como proporcionar a transubjetividade necessária para chegue-se a um consenso objetivo? Surge então a pecha que o Historicismo carrega até hoje. Sua incapacidade de gerar objetividade em seu discurso epistemológico. Sendo desta forma pode se considerar o Historicismo um método científico confiável?
Alguns historicista tentaram resolver o problema formatando um quebra cabeça científico, o ecleticismo, onde, a parte melhor de cada pensamento constiuiria um todo. Formulação que não convenceu a crítica, mostrando-se fraca e insuficiente para a realização de seu objetivo, a verdade. Provocava mais indagações do que respostas. Dilthey, filósofo alemão, morreu em idade avançada e confessou antes de morrer não ter conseguido resolver os problemas suscitados pelo historicismo, mesmo tendo dedicado a vida toda neste objetivo.
Os vários pensamentos de cunho historicista geravam inúmeras reflexões, destas muitas alimentaram outra Escola então nascente, o Marxismo. Karl Marx , outro filósofo alemão, embora o termo não seja unânime, engendrou aquilo que ficaria conhecido como materialismo histórico dialético.
Essa corrente do pensamento afirmava que a luta de classe era o que gerava mobilidade histórica. Afirmava que o conhecimento ou a ciência era resultado desta mesma luta de classes. A utilização desta pelas classes dominantes era, segundo Marx, facilmente observado através do discurso ideológico contido na Ciência política-econômica .
Entretanto, transformar a obtenção do conhecimento científico verdadeiro como resultante de um único ponto de vista, da classe proletária, é cair num relativismo, embora Marx afirme ser isento, pois acredita estar sendo imparcial quanto sua tese, pois afirma que a Ciência pode ser obtida através de outra classe senão o proletariado, até mesmo da pequena burguesia e da própria burguesia, como no caso de Sismondi e Ricardo, ambos representantes da burguesia . Para Marx o que realmente contava era a intenção e a boa vontade em se buscar a verdade de fato. Porém desta maneira Marx cai na rede crítica do positivismo, pois desta forma Marx acrescenta elementos morais e psicológicos em sua teoria dita materialista, assim como o próprio ecletismo, pois ao selecionar fragmentos teóricos para formatar um todo, Marx cai na mesma incógnita historicista.
Um estudo metódico do livro de Michael Löwy, “Ideologias e Ciência Social – Elementos para uma análise marxista.” Demonstra que o autor em questão é marxista. A forma em que ele é irônico ao apresentar o Positivismo e o Historicismo, sua apresentação é carregada de valor de juízo. Ao apresentar o marxismo ele não formula nenhuma proposição hegeliana , nem mesmo menciona aquele que influenciou Marx em sua teoria, ou posso dizer dogma. Não pode-se esquecer que trata-se de um pensamento Absoluto e determinista, pois ao subverter a teoria hegeliana Marx retirou o atributo “Absoluto” de Deus e transpôs este no homem, sendo o materialismo histórico representado pela luta de classes, em última análise, no homem. É determinista, critica feita constantemente ao hegelianismo, porém não é lembrado que o marxismo também o é. Isso se dá no tocante ao necessitarismo da revolução proletária que antecederá ao comunismo efetivo. Além do mais, por ser uma teoria totalizante, sua prática se dará somente diante ao totalitarismo, coisa esta já comprovada pela própria história. Retomando o texto do autor, um único momento em que percebi um pouco de honestidade científica foi quando ao final do capítulo IV, Michael Löwy correlaciona a teoria marxista com a religião, pois para crer em seus postulados é necessário uma boa dose de Fé.
Outra abordagem que deve ser frisada; o próprio Marx não era um pobre proletário e muito menos Engels. É interessante notar que, na história , a grande maioria daqueles que professaram a “FÉ” marxista também não eram pertencente a pobre coitada classe proletária. A realidade mostra exatamente o contrário, quem está embaixo quer subir e adentrar ao mundo dito pequeno-burguês ou ainda quem sabe pertencer de fato a burguesia. Longe de ser especulações, tais afirmativas são constatações empíricas de que o “pobre”, o proletário, para usar um termo da liturgia marxista, não deseja continuar nesta sua situação e almeja conquistar, não uma casa comunal , mas uma propriedade, a melhor que o capital possa adquirir. Essas afirmativas últimas poderão ser facilmente taxadas por algum marxista com alguma de suas “ladainhas”, “alienado” por exemplo, entretanto, neste momento confessam sua derrota frente aos fatos históricos e demonstram sua falta de capacidade argumentativa.
O parágrafo imediatamente anterior a este é uma comprovação de que a suspensão de juízo quando em busca do conhecimento humano é inviável. O autor , cuja obra está supracitada, ao transcorrer sobre as Escolas em questão, não consegue manter sua pretensa neutralidade como almejava o positivismo; coloca-se dentro do próprio texto com dizeres “eu penso”, “eu acredito”, entre outras formulações que demonstram sua posição em relação aquilo que procura conhecer, assim como apregoa o Historicismo torna-se objeto de sua própria análise, perdendo o distanciamento dito necessário para busca efetiva da verdade epistemológica. Na tentativa de resolver o problema cai no relativismo, pois ao acrescentar opiniões a sua textualização, contextualiza uma tomada de posição, a sua, um círculo vicioso.
Estas mesmas opiniões são facilmente diagnosticadas, um termo que cabe ao se tratar disto, como sendo uma tomada de posição claramente marxista. Posição que disfarçadamente o próprio, simuladamente tenta disfarçar ao ser irônico, como já comentado, no final do capítulo IV. Porém ele ali está sendo mais crítico da Religião, da Teologia, ou ainda de Deus do que propriamente do marxismo.
Conforme solicitação do professor , ministrante desta disciplina foi lido outra obra, a qual deveria ser comparada com a teoria marxista no tocante a conceituar esta como tal ou negar esta conceituação , dizendo os porquês. Foi lido o livro “História & Teoria – Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade.” De José Carlos Reis. A leitura foi feita com voracidade, a qual proporcionou indizível prazer intelectual a este que escreve.
O autor deste ensaio apresentou este livro a um outro professor em sala de aula e este comentou que o autor em questão era marxista, do qual houve discordância veemente. O livro está empregnado de juízo de valor. Ele comenta as teorias da Modernidade Iluminista, passa pelo positivismo e pelo marxismo, porém é no Historicismo que ele demonstra empatia, sua identificação com Dilthey , pensador desta Escola é notória.
Agora, ao procurar um fechamento para este texto cabe lembrar o título do mesmo. O qual implicitamente demonstra a dificuldade de se chegar a Verdade e por conseguinte ao conhecimento. A pergunta que fica é: É possível fazer Ciência? Mesmo antes de ler o livro de José Carlos Reis o autor deste ensaio já se questionava sobre esta dificuldade e argumentava que em virtude das evidentes impossibilidades de se chegar a Verdade quando esta refere-se a Ciência Humanas o mesmo atrevia-se a pensar que não, não é possível fazer Ciência quando o objeto deste é o próprio homem. Portanto, História e as demais Ciências Socias na verdade não são ciência, são atividades intelectuais que proporcionam prazer. Atividade esta que deve ser desenvolvida com uma postura de quem faz ciência, dignidade, respeito, profissionalismo ético, mas sobretudo honestidade consigo e para com o outro . Neste momento eu concordo com Marx, o que conta é a motivação e a postura diante do que se propõem a fazer. Se HISTÓRIA não é ciência? E daí? Continuará a fascinar aqueles que por ela se apaixonaram. Parafrasendo Shakespeare , “O que é um nome? Acaso a rosa tivesse outro nome, não teria esta o mesmo perfume?” O sábio literato inglês punha aqui, como costumeiramente fazia, uma questão claramente filosófica, ontológica. Os historiadores reconhecem o valor de sua atividade, subjetivamente a devoram, agora, perdendo esta o “status” de Ciência, deixará de ser o que é para cada um de seus partidários? Acredito que não! A atitude racional e científica e até mesmo lógica e aceitar humildemente a conclusão decorrente das premissas históricas: História não é Ciência. José Carlos Reis mostrou que não são poucos que pensam desta forma. Venha engrossar este ponto de vista! “ Mais um relativista!”






REFERÊNCIAS:






Löwy, Michael; Ideologias e Ciências Sociais – Elementos para uma análise marxista
17ª ed., Cortez Editora

Reis, José Carlos ; História & Teoria – Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade 1ª ed. , Editora FGV

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