quinta-feira, 17 de abril de 2008

O SEXO PROÍBIDO VIRGENS, GAYS E ESCRAVOS NAS GARRAS DA INQUISIÇÃO

O livro de Luiz Mott, cujo título serve também a esta resenha, foi publicado em 1988 pela Papirus Editora, sediada em Campinas/SP e possui em sua 1ª edição 190 páginas. Luiz Mott possui uma extensa lista de títulos acadêmicos, entre estes consta o de Mestre em etnologia pela Sorbonne ( Paris ). Seguindo a risca o axioma antropológico: “ A sexualidade humana é fundamentalmente cultural.” ; o autor faz deste verdadeiramente sua máxima e utiliza-se da cultura material disponível para retirar do “submundo” acadêmico aquilo que, embora cultural e que, por ser desta maneira, faz parte do cotidiano do ser humano, contudo, o mesmo ainda é visto como tabu O SEXO. No intuito de contribuir para essa mudança, que já era sugerida em 1927 por um pioneiro da antropologia, B. Malinowski, que defendia a legitimidade de se estudar o homem nu, sem a folha de parreira, Luiz Mott lança luz sobre um assunto cujo conteúdo ainda não é de todo aceito como legítimo no meio acadêmico – o sexo , mais ainda quando se trata de uma variante considerada “proibida”, o homossexualismo. Porém, Mott dá seriedade ao assunto ao constituir-se sobre uma pesquisa de nove meses no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa. Portanto, todos os relatos apresentados em sua obra estão documentados neste arquivo.
Se, nos finais do século XX, data em que o presente livro em questão foi escrito, o sexo ainda causava embaraços quando trazido a tona, potencialize-se a mesma situação no contexto dos séculos anteriores. A Igreja desde sempre foi uma grande reguladora dos ditos “prazeres da carne”, portanto, aquilo que estava sujeito às chamas do inferno no pós morte, ou seja, o pecador e seu respectivo pecado, com o aparecimento do “Horrendum Tribunalem”, o Santo Ofício ou ainda A Santa Inquisição, as chamas da fogueira estavam sujeitas a acomete-los ainda em vida. Como todas as denúncias, em tese, eram precedidas de um processo inquisitorial, Mott vasculha a Torre do Tombo em busca destes relatos, os quais encontra com minúcias de detalhes dos então “zeladores da moral”, que sequiosos de verem sentenciados aqueles que ousaram infringir as sagradas leis da Igreja.
Mott apresenta então uma variedade de relatos, nos quais encontra-se sobretudo práticas sexuais dos negros escravos oriundos do continente africano ou ainda, de seus descendentes já no Brasil. Relata também a prática do homossexualismo, tanto entre os negros bem como destes com seus senhores brancos. E aproveitando o ensejo, Mott constata que a contestação da virgindade mariana, dogma basal da Igreja, gerou processos inquisitoriais e ainda argumenta que este dogma foi e ainda é sustentáculo da moral cristã vigente.



INQUISIÇÃO

“As primeiras vítimas deste severo tribunal eclesiástico foram os Cátaros e Valdenses no sul da França, no século XIII, seguido dos Catarinos na Itália, dos Hussitas na Boêmia e a partir do século XVI, sobretudo dos mouros e judeus na península Ibérica.” A Inquisição em Portugal ganhou fama de ter sido mais amena, para os padrões inquisitoriais , mas pelo que consta em seus anais não era essa a impressão que causava em suas vítimas. No entanto, verdade seja dita, na Espanha a Inquisição possuía em seus róis uma lista de delitos religiosos que estariam sujeitos à fogueira muito maior do que o rol de pecados portugueses sujeitos a mesma punição.




CRIMES RELIGIOSOS
- Heresia
- Feitiçaria
- Blasfêmia
- Desvio sexual: adultério, sodomia (cópula anal tanto heterossexual quanto homossexual), bigamia, luxúria clerical, bestialismo, incesto, concubinato, estupro, masturbação e lesbianismo.
Embora todos esses crimes fossem sujeitos a castigos e torturas , segundo os registros processuais da Torre do Tombo, em Portugal, os crimes religiosos que efetivamente poderiam resultar em pena capital era a “sodomia perfeita”, ou seja, a cópula anal homossexual com ejaculação interna aquele que “usa do ofício de fêmea.” Ou ainda, em bom latim, “penetratio in vas posteriore cum seminis efusione.” Outros crimes sujeitos a mesma pena era a bigamia e a luxúria clerical.

O SEXO NA ÁFRICA OCIDENTAL

- Poligamia poligínica;
- Ritos de iniciação sexual seguidos de mutilação (circuncisão, clitoridectomia, infibulação e defloração com falo cerimonial);
- Adultério, homossexualidade, masturbação, divórcio e prostituição. A reação social de tais comportamento varia de etnia para etnia, indo da indiferença à repressão até coma pena de morte;
Enorme variedade de códigos morais.




O SEXO CATIVO

Torna-se inevitável não considerar a possibilidade da atividade sexual já no transporte dos navios negreiros. Todos eram transportados em naus onde ficavam amontoados corpo a corpo durante 40 a 50 dias, sendo suas únicas liberdades dar vazão a seus devaneios eróticos.
Além do sexo entre os próprios cativos, tanto heterossexual quanto e principalmente homossexual já que os homens eram maioria e a prática homossexual relativamente comum no continente africano, havia também o uso pela tripulação do navio de sua “carga”, para fins sexuais.
Já em sua chegada às Américas o componente sexual estava presente, pois os negros do sexo masculino eram escolhidos para compra em preferência à mulher e ainda o critério de escolha entre estes era o tamanho do membro viril, pois argumentava-se que quanto maior este fosse, melhor seria tanto sua capacidade de reprodutor quanto sua força hábil para a lida dos árduos trabalhos da lavoura .
Entretanto, assim como os senhores de escravos escolhiam suas negrinhas por seus atributos sexuais igualmente faziam aqueles que dos negros quisessem muito mais do que seus préstimos de sua natureza senhor/escravo. Nos registros encontrados por Mott em Lisboa encontra-se uma série de relatos que foram parar no Santo Ofício onde o “pecado nefando”, “o amor que não ousa dizer o nome”, a sodomia, a fanchonice entre outros nomes atribuídos dados pelos criativos relatores inquisitoriais a prática do homossexualismo era praticada.
Embora saiba-se que o homossexualismo era atividade corrente entre os escravos, os registros não conferem a estes sua maioria de processos. A Inquisição processou muito mais homens brancos, de posses ou não, do que escravos. Embora isso se explique, pois era interessante à Inquisição que o réu detentor de posses tivesse o veredicto de culpado, pois, neste caso, os bens destes reverteriam todos para à Igreja .
A ausência de um número maior nos registros, de homens negros acusados do “pecado nefando”, é explicada pela insignificância social apresentada pelos amantes não-brancos.
Muitos diante de uma acusação de tamanha conseqüências procuravam justificar-se utilizando-se para tanto dos mais variados subterfúgios .Desde de ter feito uso de “pito de Pango”, ou seja maconha, e assim não poder responder pelos atos cometidos sob o efeito desta ,o ainda de estar sob o jugo de um espírito maligno. Aparece em um dos registros até mesmo Satanás sendo acusado pelo ato do acusado. Mas quando o réu não conseguia aliviar-se da culpabilidade, os conhecedores dos processos inquisitoriais, alegavam não tratar-se de “sodomia perfeita”, pois não havia ocorrido a ejaculação no “vaso traseiro”. Essa alegação era sagaz e vital pois apenas isso caracterizava ou não a sodomia denominada perfeita e somente a esta estavam sujeitos os considerados culpados a arderem na fogueira.
A preocupação em organizar uma defesa em que o réu considerava-se culpado, porém com atenuantes era imprescindível aqueles que quisessem sair com vida diante da acusação apresentada. Isso se dava pois invariavelmente o suspeito era condenado e se esse negava-se em reconhecer a culpa a única maneira para salvar essa alma impenitente era purificando a esta pela fogueira. Portanto, justifica-se o fato da maioria apresentar-se diante da Inquisição como culpado tentando, no entanto, atenuar a culpa. Quando o escravo fazia parte do processo acusatório este processo poderia possuir uma ou outra característica. Sendo o escravo inscrito também como réu, o mesmo costumava responsabilizar seu senhor pela prática da qual originava-se a acusação. No entanto a acusação de sodomia poderia partir do escravo e nesta situação seria este apenas acusador das atividades pederastas de seu senhor, portanto o escravo seria, frente ao inquérito, apenas uma testemunha. Porém, esse tipo de processo carregava em si uma dúvida, que caberia a Inquisição julgar; estaria o escravo falando a verdade ou meramente acusando seu dono por uma vingança qualquer?
Como o escravo era antes de mais nada considerado uma “peça”, um investimento do qual o senhor almejava retirar deste o máximo possível de retorno financeiro através da exploração do trabalho do mesmo, perdê-lo significaria prejuízo. Portanto , quando um senhor de escravo vinha a descobrir que seu escravo era homossexual, a decisão mais freqüente era esconder esse fato, pois caso isso se tornasse público, o senhor deveria entregar o escravo à Inquisição para que esta tomasse as medidas adequadas quanto a “salvação” desta alma. Entretanto, tem-se registro de senhores que preferiram castigar seu escravo gay até a morte do que tolerar tal pecado sendo praticado sob sua seara ou ainda tratava-se de vendê-lo imediatamente afim de evitar o prejuízo.
As relações homossexuais eram de todas as ordens. Havia casos em que o espírito dionisíaco se fazia presente através de atividades de sexo grupal, masturbação recíproca, felação. Havia caso de relações sexuais fortuitas e ainda relações de ordem amorosa. Aparentemente esta é que causava maiores inconvenientes nas sociedades da época, pois além de ser uma atitude sexual reprovada, tanto secularmente quanto pela Igreja, pelo fato em si, quando tinha este componente agravante, de possuir caráter amoroso, isso constituía uma afronta maior à sociedade. Esta afronta se dava pelo fato de que uma relação desta ordem subverte a “ordem social”. Geralmente o senhor, ao se apaixonar pelo seu escravo autorizava a este ter atitudes que somente seriam possíveis diante de tal contexto. Comer na mesma mesa que seu dono ou usar calçados não eram prerrogativa dos cativos, no entanto estas regalias e muitas outras eram autorizadas pelos senhores apaixonados por seus escravos e a sociedade via nisto tanto mal quanto o ato “nefando” propriamente dito. Ainda mais quando nos jogos sexuais o “senhor” era o negro, e o homem branco, livre, senhor de fato e de direito do escravo tornava-se, neste jogo, submisso a este. Desta feita, o escravo tornava-se “senhor,” condutor sexual ativo. Isso insultava toda uma sociedade racista e sobretudo machista e patriarcal.
As negras lésbicas também não deixaram de se fazerem representar nos inquéritos da Santa Inquisição. Embora seus registros não sejam tão fartos quanto dos homens. O homossexualismo feminino foi muito menos perseguido do que o masculino, a tolerância para com estas mulheres constitui uma observação gritante na História, porém existiram casos de punições. A sodomia imperfeita, que dentro desta enquadrava-se também a mulher que fizesse uso da cópula anal, não foi punida igualmente que os homens sob a mesma acusação.
As demais práticas de ordem sexual que por ventura os africanos tivessem em seu continente de origem, quando aqui se fixaram, do tipo circuncisão ,enfibulação ou ainda clitoridectomia foram reprimidas, pois não constam nos anais portugueses como sendo praticadas no Novo Mundo.
O casamento foi uma das imposições da Igreja aos negros na tentativa de reprimir tais práticas consideradas não usuais e ainda que constituíam pecado.




DESVENTURAS DE UM PORTUGUÊS NO BRASIL SEISCENTISTA


Para melhor compreensão do que significava ser um homossexual numa época em que sê-lo poderia ser uma questão vital, pois se houvesse uma acusação formal desta prática junto ao Santo Ofício este instauraria um inquérito, no qual seria julgado o mérito da acusação e se o veredicto resultante fosse culpado, o réu, dentre outras penas, poderia acabar ardendo na fogueira, então Mott, em sua obra aqui resenhada, dedica um capítulo inteiro para biografar as desventuras de um gay do período.
O personagem em questão é Luiz Delgado, um português da cidade de Évora; a narração inicia-se no ano de 1665.Todas as citações episódicas relatadas por Mott e seus cúmplices, embora pareça ser retirada de um romance, foram copilados na Torre do Tombo, nos seguintes processos: Inquisição de Lisboa, n°. 4.769, 4.230; Inquisição de Évora, n°. 4.995.
Não caberia aqui descrever todos os atos descritos nos autos dos processos relativo as atividades de homossexuais de Luiz Delgado. Por outro lado , no entanto cabe dizer que até o fim de sua vida este pederasta passou por 8 diferentes cadeias sempre sob a mesma acusação: ser praticante do pecado nefando.
De uma maneira ou outra sempre conseguia se safar da fogueira, embora de outros castigos e torturas não tivesse a mesma sorte. Em uma de suas detenções e conseqüente punição , fora degredado de Portugal para o Brasil, retomando sua vida em Salvador, onde não se refreou de continuar no “vício” que o trouxera até ali. Mesmo casando-se com uma mulher continuava a manter relacionamentos sexuais com outros homens.
Os relacionamentos de Luiz Delgado eram sempre de ordem afetiva – amorosa. E na verdade era isso que mais incomodava a sociedade soteropolitana do século XVII. Esses relacionamentos tornavam a seus amantes seus iguais. Esse gay inveterado nunca demonstrou nenhum tipo de preconceito relativo à raça ou origem social de seus amantes e nem mesmo relativo a idade, atitude muito prezada na época, onde os homens mais novos sempre deveriam render respeito aos mais velhos. Esse comportamento democrático indignava a sociedade local, que via nesta situação uma subversão não apenas natural, no que se refere ao sexo, mas principalmente no tocante ao social.
Luiz Delgado resistiu de todas as maneiras possíveis às
arbitrariedades de um sistema, que, comandado pela Igreja quis impor um modo de vida aqueles que consideravam desajustados sociais, embora perseguido não deixou de ser aquilo que era, um homem apaixonado por outros homens, apenas desejoso do amor destes para consigo.
Mott conclui dizendo que graças a homens de fibra como Luiz Delgado, no mundo todo, na maioria dos países em que vigora o Estado de Direito, a homossexualidade deixou de ser crime. No entanto ele lembra o surgimento de um termo que expressa um sentimento antigo: a homofobia. Essa prática da intolerância ao homossexual e ao homossexualismo como um todo é um comportamento patológico, segundo Mott, e varia de cultura para cultura.
No Brasil a cultura judaico-cristã alimenta o preconceito ao homossexualismo. A Igreja exerce ainda enorme influência em assuntos relativos à sexo. Entretanto, o segmento homossexual da sociedade tem aos poucos conseguido maior visibilidade. Para que esta visibilidade reverta em respeito ainda pode levar algum tempo.




MARIA, VIRGEM OU NÃO?
QUATRO SÉCULOS DE CONTESTAÇÃO NO BRASIL


Mott faz uma referência a Shakespeare, em Otelo, ”chegar à dúvida já é ser atrevido...”.Esse referência “casa” com a idéia a ser desenvolvida por Mott no último capítulo de sua obra em questão. A virgindade da Santa Mãe de Deus é questionada por Mott e o mais interessante é que ele utiliza-se de suas pesquisas na Torre do Tombo como argumento deste seu questionamento e mais, que estes mesmos relatos encontrados na sua pesquisa já constituíam em sua época contestações da pretensa virgindade da “Virgem Maria”.
Mott trás a tona o ousado questionamento, descrença, desprezo ou ainda a indiferença pelo sagrado dogma da inviolabilidade de Maria Santíssima. O ousado fica por conta de que, se alguém fosse pego em flagrante delito, pois todos esses atos a cima citados eram considerados heresias, portanto, crimes de ordem religiosa, estariam sujeitos as mais variadas formas de punição pela Inquisição, incluindo tortura e/ou morte.
O culto à Maria no Brasil é registrado desde o período colonial. Sob as mais variadas denominações Maria sempre se fez presente na idolatria católica brasileira, sendo sua adoração superior a dedicada ao próprio Deus. Costuma-se ainda dizer um ditado: “Peça a Mãe que o Filho obedece.” Muitos entregaram seus filhos aos cuidados de Maria na hora do batismo, tendo estes a ela como madrinha. A oração mais popular entre os católicos é a Ave Maria. Enfim, desde tempos imemoriais Maria faz parte do imaginário cristão, sendo Sua Virgindade dogma basal da fé católica.
Entretanto, Maria não foi a primeira virgem a conceber um ser divino. Existem registros dos mais variados na mitologia de povos antigos relatando eventos similares, maias hindus e chineses são exemplos referente a isso. Portanto, ser Maria uma mulher que recebe a incumbência de gestar um ser mítico não era novidade no mundo antigo.
Com um tom ácido, sarcástico e irônico Mott chama os defensores deste dogma de teólogos- obstétricos e o próprio dogma de ginecologia mariológica. Argumenta ele a dificuldade de compreender à luz da razão tal arbitrariedade católica. Como poderia Maria ter concebido um ser sem a participação de um homem e ainda, como este ser ao ser gestado e posteriormente poderia ter vindo à luz sem romper o hímen da Mão de Deus ?
Luiz Mott narra vários episódios em que pessoas foram parar frente aos tribunais inquisitoriais por descrer neste dogma, blasfemar contra Maria ou ser indiferente com esta, como em um caso registrado em que uma mulher estava sob julgamento porque na hora do seu parto chamou pelo nome de sua própria mãe e não pelo da Santa Maria.
O dogma em questão serve à Igreja para esta impor a seus fiéis uma moral própria. Perante esse código moral a virgindade é vista como uma virtude e o contrário; uma mulher que ainda não havia contraído núpcias matrimoniais e deixasse de ser virgem constituiria um grave pecado. Na verdade, argumenta Mott, esses argumentos eram frutos de uma sociedade patriarcal que vê a mulher como um ser menor e que deve esta estar sempre sob a tutela de um homem.

Nenhum comentário: