sexta-feira, 18 de abril de 2008

A Hegemonia dos Estados Unidos da América

O Artigo publicado anteriormente foi sem título. Em tempo está sendo enviado o mesmo.
RESUMO

Os E.U.A . nascido sobre pressupostos iluministas reinvindicam a si o “Direito Divino”, pressuposto utilizado pela monarquia absolutista européia para justifiar-se como potência mundial. Desde seu nascimento, esta nação ostenta um pretenso “Destino Manifesto”, do qual caberia a si a obrigação de guiar as nações da humanidade. No transcorrer de sua História os E.U.A . tem se esforçado em fazer deste discurso uma realidade. Sua história é marcada de intervenções nos países latino-americanos, intervenções estas de ordem política, financeira e até mesmo utilizando-se de armas como garantia de sua vontade e interesses. A análise histórica demonstra que esse “Destino Manifesto” nada mais é do que um espírito beligerante e dominador do qual se utiliza afim de garantir sua hegemonia na América Latina.

Embora a hegemonia dos Estados Unidos da América seja questionada por seus opositores, é inquestionável tratar-se de uma realidade. Porém, mesmo não podendo negar esta hegemonia pode-se refletir sobre esta. Quais são a origem desta? Sobre que pressupostos está ela alicerçada? São estes pressupostos legítimos?
O artigo que segue em sua maior parte narrará momentos históricos em que os E.U.A . fizeram valer no continente americano sua vontade. O momento em que essa hegemonia é questionada. Enfim, utilizar-se da História como objeto reflexivo. Não tem-se aqui a pretensão de esgotar o assunto, tanto porque não seria possível aqui aborda-lo em sua plenitude.

O pensamento Liberal do século XVIII serviu de embasamento teórico para a Revolução Americana em 1776. Desde o seu nascedouro os E.U.A . não tem se furtado a submeter à prova empírica este mesmo pensamento. A liberdade individual, o direito à propriedade, bem como a meritocracia são as pedras angulares do sistema governamental e do regime implantado em solo norte-americano desde então.
Contudo, a visão americana às “liberdades”, amplamente anunciadas por esta nação, como um arauto proclamando, não apenas sua “salvação”, mas de toda a humanidade, é extremamente particularista, tendenciosa e ainda, parcial. Tal premissa não é disposta pacionalmente, antes sim fruto de reflexão, a qual permite formular tal juízo de valor.
O texto White Jacket, escrito em 1850 por Herman Melville (também autor de Moby Dick) escreveu:
Nós americanos, somos o povo peculiar, escolhido- o Israel de nosso tempo; carregamos a arca das liberdades do mundo (...) Deus predestinou, e a humanidade espera grandes feitos da nossa raça; e grandes coisas sentimos em nossa alma. O resto das nações precisa, brevemente, estar na nossa retaguarda. Somos os pioneiros do mundo; a guarda avançada mandada através da terra virgem de coisas não experimentadas, para abrir no Novo Mundo um novo caminho que é nosso(...) Num período em que outras nações não fizeram senão balbuciar, nossa voz profunda é ouvida longe. Por longo tempo fomos céticos a respeito de nos mesmos e duvidamos se realmente o Messias político havia chegado. Mas ele chegou em nós, como se não tivéssemos feito senão dar expressão oral às suas inspirações.(MELVILLE apud JUNQUEIRA, 2001, p 37,38)

Percebe-se neste texto um tom bairrista, ufanista, ou melhor, em linguagem acadêmica, etnocentrista. Esses pressupostos messiânicos não são meramente a opinião de um indivíduo específico, antes sim, o pensamento de uma nação sobre si mesma. Prepotente? Arrogante? Os fatos falam por si.
Os tentáculos norte-americanos, no transcorrer histórico, chega ao ponto de abrangência mundial. Entretanto, como afirma o título deste artigo, o mesmo se aterá à América Latina. A primeira referência histórica descrita neste presente texto é tocante ao ano de 1836, quando o México proclama uma constituição centralista.. Neste contexto o Texas era parte integrante do território mexicano, no entanto havia grande densidade de colonos ‘norte-americanos’. No momento da proclamação da constituição em questão estes colonos sentiram-se prejudicados por esta, principalmente pela questão escravocrata. Ocorre então uma rebelião e desta saem vitoriosos os americanos, surge então uma nova República, a qual posteriormente é anexada aos E.U.A . 1 O texto a seguir dá a visão norte-americana sobre este fato, bem como sobre sua política em geral.
Pois bem, se necessitaram outras razões para justificar que agora eliminaremos o problema da anexação do Texas com o das mesquinharias de nossas antigas dissenções partidárias e o elevemos ao nível que lhe corresponde, que é dos altos e amplos objetivos nacionais, seguramente as acharemos, e em abundância, no modo como outras nações se propuseram intrometer-se neste assunto, interpor-se entre nós e os que são propriamente parte do assunto, em um espírito de interferência hostil para conosco, com o objetivo confesso de modificar nossa política e prejudicar nosso poder, limitando nossa grandeza e impedindo a realização de NOSSO DESTINO MANIFESTO que é estendermo-nos sobre o continente que a Providência fixou para o livre desenvolvimento de nossos milhões de habitantes, que ano após ano se multiplicaram.(O’ SULLIVAN apud OSCAR, 2000, p 250 – o grifo é meu)

Este fato, a anexação do Texas, mostra claramente uma política expancionista dos E.U.A . Após esta anexação, a expansão rumo ao Oeste, que, ao contrário das produções cinematográficas referentes à época costumam frisar, não eram terras de ninguém, tanto porque as terras que não pertenciam aos mexicanos pertenciam aos indígenas. No cumprimento do “Destino Manifesto”, em 1850, a Califórnia já era um estado integrante da União americana.
A dubiedade do discurso americano referente às liberdades é nitidamente percebida no axioma da Doutrina Monroe: “ A América para os americanos.” Em um primeiro momento parece ser um grito libertário frente ao contexto emancipatório vivenciado à época nas Américas. As colônias americanas da Europa estavam neste momento passando pelo processo libertário. Ao formular a premissa maior desta Doutrina estavam afirmando que a América não mais pertencia à Europa e com tudo o mais que isto implicava. Estava-se afirmando que o poder neste continente deveria e seria exercido por americanos natos. Ou seja, representava as liberdades postuladas pelo Iluminismo. Contudo, ao se colocar esta doutrina frente aos fatos é notório o tendencionismo da mesma, pois a América seria dos americanos, portanto os fatos perguntam: que americanos? E eles mesmos responde: os dos E.U.A . Aqueles que advogam ser o “povo eleito”, possuir um “destino manifesto”, portanto, caberia a este “povo eleito” guiar o continente americano através das “liberdades”. Em vista disto, a Doutrina Mouroe, talvez, dentro de uma visão radical, em vez de uma expressão de apoio às nações emancipatórias da América, é sim um ultimato, no qual os norte-americanos apresentam suas credenciais de liderança em vista disto, a América será dos “Americanos”.
O Dolar tem comprado do “Destino” esta “Manifestação”, quer pela influência econômica, ou quando esta apenas não basta, pela imposição de armas, de maneira direta ou indireta. A América Central com sua violenta história política comprova esta afirmativa. A invasão de Granada em 1983, as intervenções em El Salvador na década de 1980 e a invasão da Nicarágüa sandinista são exemplos do exercício de liderança do “povo eleito” pelo “Destino Manifesto”.
Desde o “apagar das luzes” do século XIX os E.U.A . já haviam se projetado como potência internacional, por ocasião da Guerra hispano – americana de 1898, onde colheu imenso superávit político e econômico. Ao contrário da América Latina, que continuava ainda portando-se no mercado internacional como uma colônia, a diferença é que a “metrópole’ agora não era mais a Europa e sim os E.U.A . , este por sua vez põe-se no centro do capitalismo internacional, para tanto revigora a Doutrina Mouroe.2
No governo de Theodore Roosevelt, de 1901 à 1909, cria-se o Corolário Roosevelt para a doutrina Mouroe , mais precisamente em 1904.
(...) a adesão dos Estados à Doutrina Mouroe pode forçar os Estados Unidos, embora com relutância (...) para o exercício de um poder de política internacional (...) Nossos interesses e os de nossos vizinhos do sul são em realidade os mesmos. Eles possuem grandes riquezas naturais (...) Eles só merecerão a nossa interferência em último caso e então apenas se for constatado claramente que sua inabilidade ou fraqueza para executar a justiça em casa e no exterior, tenha violado os direitos dos Estados Unidos ou incitado a agressão estrangeira em detrimento do conjunto das nações americanas.( Trecho da mensagem anual de Theodore Roosevelt ao Congresso em 6 de dezembro de 1904. MORRIS apud OSCAR, 2000, p 472 )

Desta maneira inaugura-se o “big stick” , política intervencionista norte-americana. Dentro desta, a possibilidade do uso de armas não só existe como a “legitima”. O revigoramento da Doutrina Mouroe , por onde os E.U.A . chamam a si a responsabilidade da manutenção da ordem nas Américas, serve como medida legitimatória da política do “big stick”, medidas estas já tomadas tanto em Cuba em 1901 como no Panamá em 1903, bem como qualquer outra medida intervencionista que viesse a ter.3
Entretanto, após 1929, com o “crash” de Nova York , quando o prejuízo econômico não se ateve ao território dos E.U.A ., antes sim, estendendo-se pelo mundo e atingindo a América Latina em cheio, o sentimento anti-americano era corrente. Neste momento cabe aos americanos do norte um discurso conciliatório com seus vizinhos ao sul, o qual é realizado com a inauguração da Política da Boa Vizinhança no governo de Franklin Delano Roosevelt .
No campo da política mundial, quero consagrar este país à Política da Boa Vizinhança – o vizinho que respeita firmemente a si próprio e por isso, pratica o respeito aos direitos dos outros - o vizinho que respeita suas obrigações e a santidade dos compromissos assumidos.(Trecho do discurso de posse de Franklin Delano Roosevelt, em 04 de março de 1933. BILLINGTON apud OSCAR, 2000, p 477)

A hostilidade entre América Latina e os E.U.A . já era uma realidade mesmo antes disto. E até mesmo instituições internas aos E.U.A . faziam pronunciamentos contrários ao “big stick”. “Nenhum Estado tem o direito de intervir nos assuntos de outros Estados.”4
Findando a Segunda Guerra Mundial os E.U.A . saem desta mais fortes política e economicamente do que nunca antes. Entre Conferências e Declarações, como a de Lima,1938, por exemplo, mesmo antes da guerra os americanos confirmavam sua já “inquestionável” liderança nas Américas. Entretanto, eis que surge no cenário mundial a “Guerra Fria”, a qual polariza o mundo em dois blocos, os liderados pelo capitalismo norte-americano e pelo bloco liderado pela U.R.S.S.,ou seja, o bloco comunista. Essa bipolarização mundial é dada como iniciada pela Doutrina Truman em 1947.5 Sendo o comunismo uma ameaça ao “american way of life”, os E.U.A .mantém-se atento a qualquer possibilidade desta ameaça vir a se sedimentar no continente americano. Contudo isto não impede que em 02 de Janeiro de 1959, em Cuba, uma revolução comunista saísse vencedora e assim levando às Américas a ter encravada dentro de seus limites um Estado Socialista e além do mais, muito próximo geograficamente aos E.U.A . Desta maneira então, Cuba estaria sempre implicada nas discussões referente à “Guerra Fria”, pois Cuba a partir de então estava alinhada com a U.R.S.S. Isso fica evidente quando em 1961 os cubanos rompem relações diplomáticas com os E.U.A . , assim demonstrando clara evidência de independência. Mesmo tendo tratados firmados com a U.R.S.S., Cuba manteve sempre sua posição de independência política. Posição evidenciada em sua postura de propagar o modelo comunista a toda à América Latina, mesmo quando o Kremlin se posicionava contrário aos termos de Havana.6 Em 1964 a OEA (Organização dos Estados Americanos) reforçou um embargo comercial e político contra Cuba. Entre idas e vindas nesta relação, os E.U.A . manteve-se sempre em alerta aos ditames oriúndos da ilha caribenha.
Se a década de 1970 é marcada por um afrouxamento da política intervencionista norte-americana nas Américas, a década seguinte é caracterizada por uma política marcada por intervenções . Em virtude destas o período é chamado por uns de “o novo big stick”. As acusações e intimidações de Washington às “repúblicas de bananas” tornaram-se rotineiros no governo de Ronal Regan. Em agosto de 1982 os E.U.A . , através de sue legislativo aprova a emenda Symms, a qual proclamava que a grande nação americana estava disposta a “impedir por quaisquer meios necessários, inclusive pelo uso de armas, a proliferação do regime existente em Cuba (...) impedir a criação, ou o uso em Cuba, de um potencial bélico sustentado do exterior e que ameace a segurança dos Estados Unidos; colaborar com a OEA, e com os cubanos amantes da liberdade, para apoiar às esperanças do povo cubano à autodeterminação.”7
Entretanto, o período entre décadas, que marcaria o final da década de 1980 e o início da década de 1990, seria marcado por acontecimentos que tornaria todo o discurso anticomunista sem sentido, pois, discussões ideológicas à parte, o comunismo teve seu fim com a queda do muro de Berlim, em 1989.Portanto, o discurso americano, no qual os E.U.A . era apresentado como mantenedor das liberdades nas Américas não mais era factível. Então, como continuar a manter a hegemonia na América Latina sem que houvesse uma contestação efetiva desta mesma liderança?
De 1970 à 1990 a América Latina deparou-se com “uma sucessão de graves problemas de ordem internacional: os dois choques do petróleo, a alta taxa internacional de juros, a queda dos preços das suas matérias primas.”8 A dificuldade latina-americana de impor-se no mercado internacional é enorme, dificuldades apresentadas nas formas de restrições à empréstimos e no aumento protecionista da América do Norte, bem como no mercado europeu. O fenômeno da globalização e a política neoliberal são assuntos “da hora”, em 1990. Neste momento, o processo econômico na América Latina é a abertura de suas respectivas economias ao investimento e aos produtos estrangeiros. Embora sabedores do que fazer, de que maneira os Estados latino-americanos poderiam fazer frente às potências econômicas, principalmente aos E.U.A .?
A maximização dos resultados de uma abertura da economia supõe a livre circulação de bens e de capital a nível internacional. Em outras palavras, depende do bom funcionamento de um sistema comercial e monetário de caracter multilateral, a cuja normas todos os países – de maior ou menor peso econômico – efetivamente se submetam. O sistema multilateral, sobretudo no campo do comércio, vem sendo, no entanto, sujeito a fortes tensões. Essas tensões se originam essencialmente do fato de que os Estados Unidos, maior parceiro do mundo e principal avalista do sistema, vir recorrendo de modo crescente ao protecionismo, sob forma especial de barreiras não tarifárias e também de manipulações cambiais; tudo isso para tentar corrigir déficit de comércio exterior gerados basicamente pela falta de ajustes estruturais internos suscetíveis de restabelecer a competitividade internacional da economia norte-americana. Mais sério ainda é o risco de uma fragmentação do sistema multilateral de comércio que possa decorrer de uma opção dos Estados Unidos por acordos preferenciais, de corte bilateral ou regional. A decisão norte-americana de estabelecer em 1988 com o Canadá, por proposta deste, uma área de livre comércio foi entendida como indicação preocupante de que a opção já teria sido feita.9
Portanto, no início da década de 1990 estava em franca formação a idéia de “mega-blocos” econômicos. A configuração contextual da Europa sob a batuta da CEE, a liderança asiática do Japão, bem como a confluência do México e do Canadá em torno dos E.U.A . na América do Norte, demonstravam que dentro daquele contexto a multipolaridade econômica era inevitável.
Os americanos entretanto estavam decididos a manterem sua hegemonia na América Latina, agora em um “quadro fluído e complexo de desideologização das relações internacionais e de rearrumação das relações de poder no plano econômico internacional.”10 Em 27 de junho de 1990 ocorre em Houston, E.U.A . uma reunião do G8 no qual o presidente Georg Bush – pai – faz o anúncio do “Empreendimento para as Américas”, o qual pegou desprevenidos os governantes latino-americanos. Tal anúncio ficou sendo denominado de “A iniciativa Bush.”11
A percepção do governo americano da nova configuração econômica que estava em formação, ou seja, os “mega–blocos” econômicos fez com que Bush tomasse a postura adotada nesta reunião de cúpula.
O anúncio da “Enterprise for the Américas” não foi precedido de consultas prévias na região, assumindo cunho inegavelmente paternalista. O governo norte-americano pareceu, aliás, mais preocupado em buscar um “endosso” ou “reconhecimento” pela CEE e pelo Japão da condição de preeminência norte-americana no continente. Num contexto de formalização de áreas de influência econômica que parecem emergir da Cúpula de Houston, “a iniciativa Bush” pode ser interpretada como uma tentativa de demonstrar, para os latino-americanos de que os Estados Unidos reconhecem ter responsabilidades regionais, e, para as potência econômicas extra-regionais, de que estariam dispostos a exercer tais responsabilidades, se necessário, de forma preferencial.12
Correntes políticas internas dos E.U.A . sustentam um posicionamento de revigoramento dos laços com a América do Sul, cujos países consideram promissores. Dentro de um pensamento paternalista e intervencionista, visam promover o combate ao narcotráfico e a preservação do meio ambiente. Desta maneira os E.U.A . acumulariam dividendos, pois, dentro deste pensamento a contrapartida seria “simples garantias de manutenção do grau de abertura de seu mercado para produtos latino-americanos e receberiam em reciprocidade um acesso preferencial no mercado dos países latino-americanos para as mercadorias, serviços e investimentos.”13
A criação do Nafta, área de livre comércio da América do Norte, E.U.A ., Canadá e o México, é um precedente que fomenta o surgimento da Alca, área de livre comércio das Américas. A intenção americana é clara, pois o interesse político e econômico é manter-se como potência de vocação mundial.
Já que, com o final da “Guerra Fria”, os E.U.A . tem o seu discurso praticamente limitado dentro da área econômica, pelo menos no início da década de 1990, este tem feito o máximo dentro destes limites, considerando-se seu “Destino Manifesto” intervencionista. No período em questão os americanos interferiram de maneira direta no México. Ao contrário da década anterior na América Central, onde a intervenção se deu pelas armas, desta vez, como o campo de poder havia se alterado para à área econômica, esta intervenção se deu justamente nesta área.
O México, ao passar por sua maior crise financeira de sua história é amparado patriarcalmente pelos E.U.A . Muitos haviam se perguntado o que os americanos ganhariam em prestar ajuda financeira de maneira solícita com que esta ajuda foi posta em prática, bem como sua presteza nesta. Percebe-se à posteriori que os E.U.A . estavam na verdade era salvaguardando o modelo econômico do qual o México era representante e os E.U.A . seu “top de linha”. Portanto, não pareceria atraente aos olhos do mundo, ver um modelo econômico, o qual propalava ser a solução para os males da humanidade, estando este modelo em ruínas. Então, “salvando” o México desta terrível crise, “enxugando” seqüelas oriundas do “Efeito Tequila” os americanos estariam na verdade salvaguardando sua própria imagem de líder mundial.
Atitudes diferentes para épocas diferentes. O contexto histórico das décadas anteriores, onde o discurso anunciava um “ terror comunista” e “pedia” medidas neste sentido. Enquanto o “fantasma” do comunismo rondasse a América Latina, os E.U.A . não se furtariam de medidas extremadas para impedir qualquer possível avanço deste. As ditaduras que se instalaram nas Américas nas décadas de 1960 e 1970 tiveram apoio direto dos E.U.A ., o qual até mesmo formou “intelectualmente” os oficiais envolvidos nos golpes que deram origem a estas ditaduras. Porém, com os ventos soprando em outras direções, esse mesmo apoio foi retirado, e a década de 1980 foi um período de transição intestinal na América Latina.
Atualmente a principal oposição aos E.U.A . origina-se de Caracas, Hugo Chávez, presidente da Venezuela apresentou-se no cenário internacional da América Latina como pretenso sucessor a Fidel Castro. Chávez ,com seus discursos incendiários realiza pronunciamento radicais contra o sistema norte-americano e principalmente ao presidente Georg Bush – filho. Caudilho de tradição caribenha, Chávez usa o lucro farto do petróleo para financiar a propagação de suas idéias nos países vizinhos. Na tentativa de marcar sua oposição e ser notado internacionalmente, este presidente “ditador”, por enquanto com aspas, aliou-se a muçulmanos fanáticos do Irã, empurrando assim a América Latina para dentro do conflito no Oriente Médio.
O Equador tem Rafael Correa como seu presidente, o sétimo em dez anos. Correa é seguidor de Chávez e já anunciou sua intenção de rescrever a Constituição sem levar em conta o Congresso Nacional. Na Bolívia Evo Morales, denominado pela oposição como clone de Hugo Chávez, pois possui, assim como o “mestre”, uma postura populista, toma frente em movimentos indígenas, sendo ele mesmo um, desapropria investimentos estrangeiros e com isso acaba isolando o país cada vez mais, sendo a Bolívia o país mais pobre da América do Sul. A influência de Chávez estende-se até mesmo a Argentina , onde Néstor Kirchner, tido como excêntrico e populista bajula Chávez, de quem solicitou empréstimo.14

A Revolução Americana pode ser chamada de uma revolução burguesa pois nasce de ideais burgueses – O Liberalismo. “ É da liberdade absoluta, da justa e verdadeira liberdade, da liberdade igual e imparcial, que temos necessidade.” (POPLE – in Prefácio, Carta sobre a Tolerância, de J.Locke,1689 apud SCHILLING, 1999,p 91 ) Entretanto, mesmo nascendo sob os ideais libertários do Iluminismo, sua história é marcada de contradições se levado em conta tais ideais. Inumeráveis questões surgem, principalmente: Que liberdades seriam estas? Seriam estas universais ou restringiriam-se a determinados grupos, povo ou nação? Como então ser parcial aquilo que nasceu absoluto?
A História mostra que os interesses corrompem as Idéias, ou ainda, que estas já nascem corrompidas, e se nascem, é para “justificar” um determinado “status qüo”.
De todos os princípios do Liberalismo cabe destacar a meritocracia. Dentro desta óptica burguesa quem não tem competência não se estabelecerá. Portanto, os E.U.A . fazem desta máxima um motor propulsor o qual impulsiona esta nação a ser o que é, a “personificação” de uma hegemonia, não só nas Américas como também frente ao mundo.
Os ideais iluministas surgem em contraposição ao Absolutismo, onde a manutenção do poder monárquico se dá através de um discurso mítico. O poder Real, segundo tal discurso, é uma Dádiva Divina, uma Concessão Divina, um Direito Divino dado a um ser ímpar, o qual poderá transmitir a seus herdeiros este Direito Divino de governar e por ser este uma “Manifestação” de Deus, é de caráter Absoluto, inconteste.
Os E.U.A . subvertem o discurso, subvertendo assim a História. Ao mesmo tempo que surge como modelo político de vanguarda no século XVIII, contrapondo-se as monarquias absolutas da Europa, sob a bandeira da Liberdade, na construção de sua Identidade, que segue imediatamente após sua independência, a identificação “eleita” que se dá é a do “Povo Eleito”, “guardião das Liberdades”. “Povo Eleito” no sentido de que caberia a esse guiar a humanidade e os E.U.A . não poderiam furtar-se de obedecer esta “Manifestação Divina”.
Em vista disto é perceptível a contradição desde o seu nascedouro. Pois enquanto se apresenta em contraponto a um regime ultrapassado, utiliza-se da lógica que mantinha este regime sob à coroa, para assim legitimar sua então pretensa vocação de liderança mundial. A História então mostrou que a Identidade nada mais é que uma construção social. Os E.U.A . construíram a Identidade que “construíram”, pois fizeram valer, sob contestação ou não, seu “Direito Manifesto”, servindo hoje como liderança efetiva e inconteste não só na América Latina como no mundo.
O presente artigo citou vários momentos em que os E.U.A . interviram na América Latina e como esta nação “orquestrou” o tom político, adequando este ao contexto de cada momento. Mostrou também que estas intervenções não ocorreram impunemente, sempre houve quem manifestasse oposição ao “americam way of life”. Fidel Castro ontem e Hugo Chávez hoje, são exemplos de oposição à hegemonia dos E.U.A . na América Latina. Além disto, se prestou a uma reflexão sobre o “Destino Manifesto”, que na verdade nada mais é do que um espírito beligerante e dominador.

" DEMOCRACIA AO MOLHO CURRY"

No transcorrer do semestre 2007/1, na disciplina de História da Ásia I , o presente aluno traçou paralelos históricos com determinadas teorias. Primeiramente com o estruturalismo francês e posteriormente com a filosofia hegeliana.
Foi na época elaborado um ensaio onde procurou-se caracterizar os zamindars. No esforço de apresentar a filosofia de Hegel, utilizou-se deste personagem histórico da Índia como elemento argumentativo cuja conclusão inegável é o determinismo.
O texto utilizado como referência no que concerne aos zamindars foi: “As origens da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno.”; de Barrington Moore Jr. Este pesquisador além de descrever o contexto histórico, tece alguns juízos de valores. Fato que mais o intriga é como a Índia passa de uma burocracia agrária despótica para uma sociedade democrática, sem no entanto passar por uma revolução burguesa, industrial ou qualquer coisa que o valha no direcionamento de um fator que viesse desenvolver o capitalismo por vias semelhantes ao seu surgimento europeu.
Os ingleses chegam à Índia num primeiro momento, utilizando-se de um termo de Barrington, como piratas e encontram um regime decadente, o império mongol, em meados do século XVIII. Aquilo que começa de uma maneira, pode-se dizer até inconseqüente, devido ao fato dos ingleses expandirem-se cada vez mais seu plano de ação sobre o território indiano, torna a estes “senhores” da Índia.
Diante da constituição já sedimentada de sua hegemonia a questão era transformar a Índia de uma maneira tal que fosse possível nela a implantação empírica do discurso capitalista inglês. Nesta tentativa os ingleses utilizaram-se de um elemento recorrente no regime de dominação anterior – os zamindars, dando a estes não apenas a concessão de terras, mas a prerrogativa de proprietários.
Embora a dominação inglesa na Índia não possuísse a característica predatória do império mongol, pois a intenção era transformá-la em um grande mercado consumidor, esta mesma intenção gerava a conseqüente cobrança de impostos e o desistímulo à produção artesanal, característica não só econômica como sobretudo cultural.
Os ingleses, no exercício de sua dominação, além de sua intervenção política direta em solo indiano, exerceram uma tentativa de intervenção cultural. A proibição do sati é um forte exemplo. A morte da viúva em uma pira, onde o falecido esposo seria cremado era um costume milenar na Índia, costume este proscrito pelos ingleses.
Como as diferenças culturais eram gritantes e ainda, a “natureza” dessa cultura, a indiana, impedisse o franco desenvolvimento econômico, os ingleses exerciam forte pressão em modificar este sistema cultural. No exercício desta pressão de aculturação eles encontram uma forte resistência indiana.
Denys Cuche em sua obra, “ A noção de cultura nas ciências sociais” ao referir-se à dialética cultural que envolve o encontro de culturas, lança luz sobre o alicerce em que este encontro se desenvolve. Lembra este autor da existência de elementos culturais de ordem exógenos e os de ordem endógenos. E segue ele, que um elemento cultural exógeno somente é assimilado em determinada cultura quando os elementos endógenos permitem que este “corpo estranho” venha configurar, agora já como parte integrante desta dada cultura.
No entanto, no contato anglo-indu a aculturação não ocorreu dentro de um padrão harmonioso. As imposições dos ingleses aos indianos não ocorreram impunemente. A Revolta dos Cimpaios, no início da segunda metade do século XIX é uma prova desta afirmativa. O desejo de retorno aos costumes antigos era o fator determinante desta insurgência de cunho muito mais cultural do que propriamente político; isso dava a Revolta a peculiaridade de ser não revolucionária e sim de ser reacionária.
A origem das castas como divisor social e sua explicação para tanto, como sendo estas advinda da religiosidade politeísta hindu, onde a reencarnação é “dogma” inconteste desta crença, pode explicar a estagnação econômica da Índia. A resignação do indivíduo relativo ao seu contexto social, ou seja, relativo a casta a qual pertence, com todo os seus ônus, é imperativo para que na vida vindoura este indivíduo possa “vir” em uma casta superior. A observação de respeito e notoriedade dada de uma casta subalterna a uma outra superior é regiamente cumprida e para tanto existem uma série de reguladores culturais.
Entretanto, o sistema de castas tornava-se um impedimento para o desenvolvimento econômico da Índia, e a Inglaterra fazia o máximo no sentido de subverter este sistema , enfrentando em virtude disto franca oposição dos indianos que, sob liderança de Ghandi, na década de 1940, resistem e vencem a ocupação inglesa.
A resistência orquestrada por Ghandi era insólita, por consistir em ser pacífica. Contudo, sendo uma resistência detentora de forte alicerce teórico, quando colocado sob prova empírica se mostrou eficaz. Resistir significava não compactuar com a situação vigente, portanto, caberia aos indianos se negarem a fazer parte da engrenagem que move um sistema capitalista, no caso específico não mais abrindo o “mercado” ao consumo de produtos ingleses. Atitude esta que tornou o empreendimento inglês na Índia sem sentido e culminou com a retirada inglesa do território indiano e a conseqüente vitória dos insurretos pacíficos.
Porém, mesmo que houvesse resistência cultural, uma contra-cultura, nenhum contato cultural conhecido até hoje mostrou-se imune à aculturação. No caso anglo-indu a Índia veio a conhecer um sistema de governo que nasce sobretudo deste contato, pois a democracia, sistema político vigente hoje na Índia não possui outra origem se não este processo de aculturação. Pode-se dizer que a Índia ficou com a democracia e a Inglaterra com o curry.
O curry, tempero essencialmente indiano, foi apresentado ao mundo pelos ingleses. A abertura dada pelos ingleses ao curry junto às mesas britânicas, o que significava uma abertura cultural, permitindo que um elemento exógeno participasse de sua cultura, o que tornou esse tempero picante popular não só ao paladar inglês como do mundo todo. Hoje o curry é tão inglês quanto a Torre do Big Bang. Cabe lembrar que embora o curry seja de origem hindu, a notoriedade da cozinha britânica sem o curry jamais seria a mesma, pois para o cozinheiro desavisado o curry é um condimento inglês, tamanha foi a assimilação cultural deste elemento.
Uma característica prezada por este aluno é buscar o “livre pensamento”. Portanto, quero aqui conciliar a filosofia hegeliana e o estruturalismo francês de Cuche. Em relação a este último as idéias concernentes a esta apreciação já foram explicitadas no transcorrer deste texto, porém, onde entra Hegel nisto tudo? Ora, Hegel é inserido no argumento que tudo o que se sucedeu na Índia e a maneira como tudo se deu foi incontestavelmente determinado pelo Absoluto. Premissa essa confirmada pela simples perplexidade de Barrington em constatar que a Índia possuía um sistema político, a democracia, sem no entanto ter passado por fases aparentemente necessárias para o estabelecimento de um governo democrático.
Segundo Hegel cada povo recebe a aptidão cabível ao seu grau de desenvolvimento. Portanto, foi determinado que a Índia seria uma democracia, de acordo com o seu desenvolvimento e o Absoluto utilizou-se do grau de desenvolvimento de outro povo para que este povo asiático viesse a ser detentor deste modelo político. Em contrapartida a Inglaterra ficou com o curry e a pecha de ter inventado a receita da “Democracia ao molho curry” apreciada na Índia.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

O SEXO PROÍBIDO VIRGENS, GAYS E ESCRAVOS NAS GARRAS DA INQUISIÇÃO

O livro de Luiz Mott, cujo título serve também a esta resenha, foi publicado em 1988 pela Papirus Editora, sediada em Campinas/SP e possui em sua 1ª edição 190 páginas. Luiz Mott possui uma extensa lista de títulos acadêmicos, entre estes consta o de Mestre em etnologia pela Sorbonne ( Paris ). Seguindo a risca o axioma antropológico: “ A sexualidade humana é fundamentalmente cultural.” ; o autor faz deste verdadeiramente sua máxima e utiliza-se da cultura material disponível para retirar do “submundo” acadêmico aquilo que, embora cultural e que, por ser desta maneira, faz parte do cotidiano do ser humano, contudo, o mesmo ainda é visto como tabu O SEXO. No intuito de contribuir para essa mudança, que já era sugerida em 1927 por um pioneiro da antropologia, B. Malinowski, que defendia a legitimidade de se estudar o homem nu, sem a folha de parreira, Luiz Mott lança luz sobre um assunto cujo conteúdo ainda não é de todo aceito como legítimo no meio acadêmico – o sexo , mais ainda quando se trata de uma variante considerada “proibida”, o homossexualismo. Porém, Mott dá seriedade ao assunto ao constituir-se sobre uma pesquisa de nove meses no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa. Portanto, todos os relatos apresentados em sua obra estão documentados neste arquivo.
Se, nos finais do século XX, data em que o presente livro em questão foi escrito, o sexo ainda causava embaraços quando trazido a tona, potencialize-se a mesma situação no contexto dos séculos anteriores. A Igreja desde sempre foi uma grande reguladora dos ditos “prazeres da carne”, portanto, aquilo que estava sujeito às chamas do inferno no pós morte, ou seja, o pecador e seu respectivo pecado, com o aparecimento do “Horrendum Tribunalem”, o Santo Ofício ou ainda A Santa Inquisição, as chamas da fogueira estavam sujeitas a acomete-los ainda em vida. Como todas as denúncias, em tese, eram precedidas de um processo inquisitorial, Mott vasculha a Torre do Tombo em busca destes relatos, os quais encontra com minúcias de detalhes dos então “zeladores da moral”, que sequiosos de verem sentenciados aqueles que ousaram infringir as sagradas leis da Igreja.
Mott apresenta então uma variedade de relatos, nos quais encontra-se sobretudo práticas sexuais dos negros escravos oriundos do continente africano ou ainda, de seus descendentes já no Brasil. Relata também a prática do homossexualismo, tanto entre os negros bem como destes com seus senhores brancos. E aproveitando o ensejo, Mott constata que a contestação da virgindade mariana, dogma basal da Igreja, gerou processos inquisitoriais e ainda argumenta que este dogma foi e ainda é sustentáculo da moral cristã vigente.



INQUISIÇÃO

“As primeiras vítimas deste severo tribunal eclesiástico foram os Cátaros e Valdenses no sul da França, no século XIII, seguido dos Catarinos na Itália, dos Hussitas na Boêmia e a partir do século XVI, sobretudo dos mouros e judeus na península Ibérica.” A Inquisição em Portugal ganhou fama de ter sido mais amena, para os padrões inquisitoriais , mas pelo que consta em seus anais não era essa a impressão que causava em suas vítimas. No entanto, verdade seja dita, na Espanha a Inquisição possuía em seus róis uma lista de delitos religiosos que estariam sujeitos à fogueira muito maior do que o rol de pecados portugueses sujeitos a mesma punição.




CRIMES RELIGIOSOS
- Heresia
- Feitiçaria
- Blasfêmia
- Desvio sexual: adultério, sodomia (cópula anal tanto heterossexual quanto homossexual), bigamia, luxúria clerical, bestialismo, incesto, concubinato, estupro, masturbação e lesbianismo.
Embora todos esses crimes fossem sujeitos a castigos e torturas , segundo os registros processuais da Torre do Tombo, em Portugal, os crimes religiosos que efetivamente poderiam resultar em pena capital era a “sodomia perfeita”, ou seja, a cópula anal homossexual com ejaculação interna aquele que “usa do ofício de fêmea.” Ou ainda, em bom latim, “penetratio in vas posteriore cum seminis efusione.” Outros crimes sujeitos a mesma pena era a bigamia e a luxúria clerical.

O SEXO NA ÁFRICA OCIDENTAL

- Poligamia poligínica;
- Ritos de iniciação sexual seguidos de mutilação (circuncisão, clitoridectomia, infibulação e defloração com falo cerimonial);
- Adultério, homossexualidade, masturbação, divórcio e prostituição. A reação social de tais comportamento varia de etnia para etnia, indo da indiferença à repressão até coma pena de morte;
Enorme variedade de códigos morais.




O SEXO CATIVO

Torna-se inevitável não considerar a possibilidade da atividade sexual já no transporte dos navios negreiros. Todos eram transportados em naus onde ficavam amontoados corpo a corpo durante 40 a 50 dias, sendo suas únicas liberdades dar vazão a seus devaneios eróticos.
Além do sexo entre os próprios cativos, tanto heterossexual quanto e principalmente homossexual já que os homens eram maioria e a prática homossexual relativamente comum no continente africano, havia também o uso pela tripulação do navio de sua “carga”, para fins sexuais.
Já em sua chegada às Américas o componente sexual estava presente, pois os negros do sexo masculino eram escolhidos para compra em preferência à mulher e ainda o critério de escolha entre estes era o tamanho do membro viril, pois argumentava-se que quanto maior este fosse, melhor seria tanto sua capacidade de reprodutor quanto sua força hábil para a lida dos árduos trabalhos da lavoura .
Entretanto, assim como os senhores de escravos escolhiam suas negrinhas por seus atributos sexuais igualmente faziam aqueles que dos negros quisessem muito mais do que seus préstimos de sua natureza senhor/escravo. Nos registros encontrados por Mott em Lisboa encontra-se uma série de relatos que foram parar no Santo Ofício onde o “pecado nefando”, “o amor que não ousa dizer o nome”, a sodomia, a fanchonice entre outros nomes atribuídos dados pelos criativos relatores inquisitoriais a prática do homossexualismo era praticada.
Embora saiba-se que o homossexualismo era atividade corrente entre os escravos, os registros não conferem a estes sua maioria de processos. A Inquisição processou muito mais homens brancos, de posses ou não, do que escravos. Embora isso se explique, pois era interessante à Inquisição que o réu detentor de posses tivesse o veredicto de culpado, pois, neste caso, os bens destes reverteriam todos para à Igreja .
A ausência de um número maior nos registros, de homens negros acusados do “pecado nefando”, é explicada pela insignificância social apresentada pelos amantes não-brancos.
Muitos diante de uma acusação de tamanha conseqüências procuravam justificar-se utilizando-se para tanto dos mais variados subterfúgios .Desde de ter feito uso de “pito de Pango”, ou seja maconha, e assim não poder responder pelos atos cometidos sob o efeito desta ,o ainda de estar sob o jugo de um espírito maligno. Aparece em um dos registros até mesmo Satanás sendo acusado pelo ato do acusado. Mas quando o réu não conseguia aliviar-se da culpabilidade, os conhecedores dos processos inquisitoriais, alegavam não tratar-se de “sodomia perfeita”, pois não havia ocorrido a ejaculação no “vaso traseiro”. Essa alegação era sagaz e vital pois apenas isso caracterizava ou não a sodomia denominada perfeita e somente a esta estavam sujeitos os considerados culpados a arderem na fogueira.
A preocupação em organizar uma defesa em que o réu considerava-se culpado, porém com atenuantes era imprescindível aqueles que quisessem sair com vida diante da acusação apresentada. Isso se dava pois invariavelmente o suspeito era condenado e se esse negava-se em reconhecer a culpa a única maneira para salvar essa alma impenitente era purificando a esta pela fogueira. Portanto, justifica-se o fato da maioria apresentar-se diante da Inquisição como culpado tentando, no entanto, atenuar a culpa. Quando o escravo fazia parte do processo acusatório este processo poderia possuir uma ou outra característica. Sendo o escravo inscrito também como réu, o mesmo costumava responsabilizar seu senhor pela prática da qual originava-se a acusação. No entanto a acusação de sodomia poderia partir do escravo e nesta situação seria este apenas acusador das atividades pederastas de seu senhor, portanto o escravo seria, frente ao inquérito, apenas uma testemunha. Porém, esse tipo de processo carregava em si uma dúvida, que caberia a Inquisição julgar; estaria o escravo falando a verdade ou meramente acusando seu dono por uma vingança qualquer?
Como o escravo era antes de mais nada considerado uma “peça”, um investimento do qual o senhor almejava retirar deste o máximo possível de retorno financeiro através da exploração do trabalho do mesmo, perdê-lo significaria prejuízo. Portanto , quando um senhor de escravo vinha a descobrir que seu escravo era homossexual, a decisão mais freqüente era esconder esse fato, pois caso isso se tornasse público, o senhor deveria entregar o escravo à Inquisição para que esta tomasse as medidas adequadas quanto a “salvação” desta alma. Entretanto, tem-se registro de senhores que preferiram castigar seu escravo gay até a morte do que tolerar tal pecado sendo praticado sob sua seara ou ainda tratava-se de vendê-lo imediatamente afim de evitar o prejuízo.
As relações homossexuais eram de todas as ordens. Havia casos em que o espírito dionisíaco se fazia presente através de atividades de sexo grupal, masturbação recíproca, felação. Havia caso de relações sexuais fortuitas e ainda relações de ordem amorosa. Aparentemente esta é que causava maiores inconvenientes nas sociedades da época, pois além de ser uma atitude sexual reprovada, tanto secularmente quanto pela Igreja, pelo fato em si, quando tinha este componente agravante, de possuir caráter amoroso, isso constituía uma afronta maior à sociedade. Esta afronta se dava pelo fato de que uma relação desta ordem subverte a “ordem social”. Geralmente o senhor, ao se apaixonar pelo seu escravo autorizava a este ter atitudes que somente seriam possíveis diante de tal contexto. Comer na mesma mesa que seu dono ou usar calçados não eram prerrogativa dos cativos, no entanto estas regalias e muitas outras eram autorizadas pelos senhores apaixonados por seus escravos e a sociedade via nisto tanto mal quanto o ato “nefando” propriamente dito. Ainda mais quando nos jogos sexuais o “senhor” era o negro, e o homem branco, livre, senhor de fato e de direito do escravo tornava-se, neste jogo, submisso a este. Desta feita, o escravo tornava-se “senhor,” condutor sexual ativo. Isso insultava toda uma sociedade racista e sobretudo machista e patriarcal.
As negras lésbicas também não deixaram de se fazerem representar nos inquéritos da Santa Inquisição. Embora seus registros não sejam tão fartos quanto dos homens. O homossexualismo feminino foi muito menos perseguido do que o masculino, a tolerância para com estas mulheres constitui uma observação gritante na História, porém existiram casos de punições. A sodomia imperfeita, que dentro desta enquadrava-se também a mulher que fizesse uso da cópula anal, não foi punida igualmente que os homens sob a mesma acusação.
As demais práticas de ordem sexual que por ventura os africanos tivessem em seu continente de origem, quando aqui se fixaram, do tipo circuncisão ,enfibulação ou ainda clitoridectomia foram reprimidas, pois não constam nos anais portugueses como sendo praticadas no Novo Mundo.
O casamento foi uma das imposições da Igreja aos negros na tentativa de reprimir tais práticas consideradas não usuais e ainda que constituíam pecado.




DESVENTURAS DE UM PORTUGUÊS NO BRASIL SEISCENTISTA


Para melhor compreensão do que significava ser um homossexual numa época em que sê-lo poderia ser uma questão vital, pois se houvesse uma acusação formal desta prática junto ao Santo Ofício este instauraria um inquérito, no qual seria julgado o mérito da acusação e se o veredicto resultante fosse culpado, o réu, dentre outras penas, poderia acabar ardendo na fogueira, então Mott, em sua obra aqui resenhada, dedica um capítulo inteiro para biografar as desventuras de um gay do período.
O personagem em questão é Luiz Delgado, um português da cidade de Évora; a narração inicia-se no ano de 1665.Todas as citações episódicas relatadas por Mott e seus cúmplices, embora pareça ser retirada de um romance, foram copilados na Torre do Tombo, nos seguintes processos: Inquisição de Lisboa, n°. 4.769, 4.230; Inquisição de Évora, n°. 4.995.
Não caberia aqui descrever todos os atos descritos nos autos dos processos relativo as atividades de homossexuais de Luiz Delgado. Por outro lado , no entanto cabe dizer que até o fim de sua vida este pederasta passou por 8 diferentes cadeias sempre sob a mesma acusação: ser praticante do pecado nefando.
De uma maneira ou outra sempre conseguia se safar da fogueira, embora de outros castigos e torturas não tivesse a mesma sorte. Em uma de suas detenções e conseqüente punição , fora degredado de Portugal para o Brasil, retomando sua vida em Salvador, onde não se refreou de continuar no “vício” que o trouxera até ali. Mesmo casando-se com uma mulher continuava a manter relacionamentos sexuais com outros homens.
Os relacionamentos de Luiz Delgado eram sempre de ordem afetiva – amorosa. E na verdade era isso que mais incomodava a sociedade soteropolitana do século XVII. Esses relacionamentos tornavam a seus amantes seus iguais. Esse gay inveterado nunca demonstrou nenhum tipo de preconceito relativo à raça ou origem social de seus amantes e nem mesmo relativo a idade, atitude muito prezada na época, onde os homens mais novos sempre deveriam render respeito aos mais velhos. Esse comportamento democrático indignava a sociedade local, que via nesta situação uma subversão não apenas natural, no que se refere ao sexo, mas principalmente no tocante ao social.
Luiz Delgado resistiu de todas as maneiras possíveis às
arbitrariedades de um sistema, que, comandado pela Igreja quis impor um modo de vida aqueles que consideravam desajustados sociais, embora perseguido não deixou de ser aquilo que era, um homem apaixonado por outros homens, apenas desejoso do amor destes para consigo.
Mott conclui dizendo que graças a homens de fibra como Luiz Delgado, no mundo todo, na maioria dos países em que vigora o Estado de Direito, a homossexualidade deixou de ser crime. No entanto ele lembra o surgimento de um termo que expressa um sentimento antigo: a homofobia. Essa prática da intolerância ao homossexual e ao homossexualismo como um todo é um comportamento patológico, segundo Mott, e varia de cultura para cultura.
No Brasil a cultura judaico-cristã alimenta o preconceito ao homossexualismo. A Igreja exerce ainda enorme influência em assuntos relativos à sexo. Entretanto, o segmento homossexual da sociedade tem aos poucos conseguido maior visibilidade. Para que esta visibilidade reverta em respeito ainda pode levar algum tempo.




MARIA, VIRGEM OU NÃO?
QUATRO SÉCULOS DE CONTESTAÇÃO NO BRASIL


Mott faz uma referência a Shakespeare, em Otelo, ”chegar à dúvida já é ser atrevido...”.Esse referência “casa” com a idéia a ser desenvolvida por Mott no último capítulo de sua obra em questão. A virgindade da Santa Mãe de Deus é questionada por Mott e o mais interessante é que ele utiliza-se de suas pesquisas na Torre do Tombo como argumento deste seu questionamento e mais, que estes mesmos relatos encontrados na sua pesquisa já constituíam em sua época contestações da pretensa virgindade da “Virgem Maria”.
Mott trás a tona o ousado questionamento, descrença, desprezo ou ainda a indiferença pelo sagrado dogma da inviolabilidade de Maria Santíssima. O ousado fica por conta de que, se alguém fosse pego em flagrante delito, pois todos esses atos a cima citados eram considerados heresias, portanto, crimes de ordem religiosa, estariam sujeitos as mais variadas formas de punição pela Inquisição, incluindo tortura e/ou morte.
O culto à Maria no Brasil é registrado desde o período colonial. Sob as mais variadas denominações Maria sempre se fez presente na idolatria católica brasileira, sendo sua adoração superior a dedicada ao próprio Deus. Costuma-se ainda dizer um ditado: “Peça a Mãe que o Filho obedece.” Muitos entregaram seus filhos aos cuidados de Maria na hora do batismo, tendo estes a ela como madrinha. A oração mais popular entre os católicos é a Ave Maria. Enfim, desde tempos imemoriais Maria faz parte do imaginário cristão, sendo Sua Virgindade dogma basal da fé católica.
Entretanto, Maria não foi a primeira virgem a conceber um ser divino. Existem registros dos mais variados na mitologia de povos antigos relatando eventos similares, maias hindus e chineses são exemplos referente a isso. Portanto, ser Maria uma mulher que recebe a incumbência de gestar um ser mítico não era novidade no mundo antigo.
Com um tom ácido, sarcástico e irônico Mott chama os defensores deste dogma de teólogos- obstétricos e o próprio dogma de ginecologia mariológica. Argumenta ele a dificuldade de compreender à luz da razão tal arbitrariedade católica. Como poderia Maria ter concebido um ser sem a participação de um homem e ainda, como este ser ao ser gestado e posteriormente poderia ter vindo à luz sem romper o hímen da Mão de Deus ?
Luiz Mott narra vários episódios em que pessoas foram parar frente aos tribunais inquisitoriais por descrer neste dogma, blasfemar contra Maria ou ser indiferente com esta, como em um caso registrado em que uma mulher estava sob julgamento porque na hora do seu parto chamou pelo nome de sua própria mãe e não pelo da Santa Maria.
O dogma em questão serve à Igreja para esta impor a seus fiéis uma moral própria. Perante esse código moral a virgindade é vista como uma virtude e o contrário; uma mulher que ainda não havia contraído núpcias matrimoniais e deixasse de ser virgem constituiria um grave pecado. Na verdade, argumenta Mott, esses argumentos eram frutos de uma sociedade patriarcal que vê a mulher como um ser menor e que deve esta estar sempre sob a tutela de um homem.

Podem as ciências sociais encontrarem-se com a Verdade? ?

“Em questão de ciência a autoridade de mil pessoas não tem o mesmo valor que o raciocínio humilde de um só indivíduo.”
GALILEU GALILEI

A Verdade, um ser a muito procurado pela humanidade continua sendo fonte de inúmeras controvérsias. A mais ou menos 2.500 anos atrás um tal de Sócrates já se questionava a respeito. Sua vida foi registrada para posteridade por seu discípulo mais famoso, Platão.Esse, entre outros diálogos, escreveu um chamado Teeteto, onde Sócrates pergunta ao personagem que dá título a este diálogo se o mesmo saberia discorrer a respeito do que seria conhecimento. O diálogo prossegue e chegam a três possíveis respostas. Primeiramente argumenta-se que conhecimento seria a Doxa – opinião. Posteriormente percebe-se que a opinião não poderia ser, pois proporcionaria , assim como justificaria, a forma protagoriana de buscar-se a pretensa Verdade epistemológica, onde esta seria relativa a cada opinião, o que tornaria impossível a objetivação do conhecimento.
O diálogo socrático prossegue e chega-se a uma encruzilhada epistemológica e pensa-se então que o conhecimento advém da opinião verdadeira. Entretanto, como conhecer ou ainda reconhecer a verdade por trás de cada opinião? Então suscíta-se que o conhecimento é alcançado através da opinião verdadeira justificada. Contudo, o prosseguimento do diálogo demonstra que essa conclusão não seria ainda satisfatória para o elucidamento a que se propôs. Enfim, Sócrates termina o diálogo sem dizer explicitamente como seria possível chegar ao conhecimento e por sua vez a Verdade. Portanto essa obra platônica é considerada uma obra aporética, suscitando questionamentos, entretanto não fornecendo de pronto a resposta efetiva.
Esses questionamentos vêem ocupando as mentes pensantes desde então. Porém a racionalidade, sendo esta um produto histórico, sofreu durante quase toda a Idade Média, uma imensa desacerelação, ou seja, neste período o conhecimento, por conseguinte a verdade era ditada pela Igreja, sendo esta Soberana e Absoluta representante de Deus na Terra. Sendo desta forma, as verdades deixaram de ser buscadas através da razão, ou ainda somente através desta. A Igreja impunha suas opiniões como sendo estas Verdades reveladas, não estando estas sujeitas a contestações, pois advinham direto de Deus. Alguns tentaram conciliar a Razão e a Fé e estas tentativas tornaram conhecidos Santo Agostinho, São Tomás de Aquino entre outros.
Ao chegar o fim desse longo período histórico a humanidade retoma o classicismo. Atitude que reflete em toda forma de Cultura, literatura, pintura,arquitetura e na maneira de buscar o conhecimento. A Razão retoma então seu lugar como mestra epistemológica, esse período fica conhecido historicamente como Renascimento. A racionalidade é quem dita a ordem do dia na Modernidade. Com a chegada do século XVIII e com ele o Iluminismo a razão chega ao seu ápice, levando Luz a onde a razão ainda não tinha chego.
Neste período que se iniciava então, a ordem era “Fé na Razão”. No final do século XVIII e início do XIX o conhecimento histórico começa a ser discutido. Partindo de Condorcet, filósofo ligado à Enciclopédia, foi um dos primeiros, senão o primeiro a formular a idéia de uma ciência social.
Condorcet formula uma teoria utópica, contestatória do sistema de então. Esse filósofo dá inicio a Escola do pensamento Positivo, que no período em questão possuía, como já mencionado, um caráter revolucionário. Parece estranho à primeira vista para os historiadores do século XXI observar o Positivismo como uma corrente de pensamento revolucionário já que ele é mais lembrado pelo reacionarismo de August Comte. Entretanto isso se deve ao fato de que o conhecimento, por conseguinte a Verdade, serem produtos histórico sofreram a alteridade do mundo, o Devir histórico.
No momento em que Comte. reformula o positivismo aos seus moldes, este, o positivismo, já era parte integrante de uma elite burguesa, a qual se encontrava no poder, portanto não mais revolucionária.
O positivismo tinha por característica básica o enquadramento epistemológico das ciências Naturais, Físicas juntamente com as Ciências Sociais. Postulavam que para se conhecer a sociedade bastava utilizar sobre esta o mesmo método das Ciências ditas Naturais. Partiam do pressuposto de que a sociedade humana é regulada por leis naturais, que essas mesmas leis regulavam a fisiologia social. Concluíam desse pressuposto então que, para se chegar a conhecer a sociedade em todos seus meandros as leis para tanto seriam as mesmas utilizadas para conhecer a Natureza. O que gerava mais uma conclusão lógica, se partindo do pressuposto defendido, que assim como o processo do conhecimento das ciências naturais eram neutras, livres de qualquer valoração, assim também deveria ser o processo epistemológico das Ciências Sociais.
Posterior a Comte existiram outros positivistas com ideologias diferenciadas. Os mais famosos foram Max Weber e Durkheim. Embora cada um acrescentou seu ponto de vista nesta teoria esta continuava sendo organicista e fisiologista, cujo conteúdo filosófico e epistêmico gerava um olhar conservador e até mesmo reacionário, como no caso de Comte, sobre o mundo. Sendo então, no final do século XIX o Positivismo representava um discurso legitimatório, uma Ideologia de fato, ao contrário do período em que deu sua gênese, onde o discurso era utópico.
Entretanto, juntamente, ou seja, em épocas contemporâneas, surge o Historicismo, outra corrente do pensamento humano. Este pensamento deu origem, no final do século XVIII, a Sociologia do Conhecimento, posteriormente a História como disciplina acadêmica. Essa escola colocou o homem no centro do conhecimento histórico, pois esse é parte da própria História. Essa forma de pensar o conhecimento transforma o homem não somente em sujeito, mas também em objeto, ou seja, sujeito observando o próprio sujeito.
Essa maneira de obter o conhecimento resultou em uma problemática: Como proporcionar a transubjetividade necessária para chegue-se a um consenso objetivo? Surge então a pecha que o Historicismo carrega até hoje. Sua incapacidade de gerar objetividade em seu discurso epistemológico. Sendo desta forma pode se considerar o Historicismo um método científico confiável?
Alguns historicista tentaram resolver o problema formatando um quebra cabeça científico, o ecleticismo, onde, a parte melhor de cada pensamento constituiria um todo. Formulação que não convenceu a crítica, mostrando-se fraca e insuficiente para a realização de seu objetivo, a verdade. Provocava mais indagações do que respostas. Dilthey, filósofo alemão, morreu em idade avançada e confessou antes de morrer não ter conseguido resolver os problemas suscitados pelo historicismo, mesmo tendo dedicado à vida toda neste objetivo.
Os vários pensamentos de cunho historicista geravam inúmeras reflexões, destas muitas alimentaram outra Escola então nascente, o Marxismo. Karl Marx, outro filósofo alemão, embora o termo não seja unânime, engendrou aquilo que ficaria conhecido como materialismo histórico dialético.
Essa corrente do pensamento afirmava que a luta de classe era o que gerava mobilidade histórica. Afirmava que o conhecimento ou a ciência era resultado desta mesma luta de classes. A utilização desta pelas classes dominantes era segundo Marx, facilmente observado através do discurso ideológico contido na Ciência político-econômica.
Entretanto, transformar a obtenção do conhecimento científico verdadeiro como resultante de um único ponto de vista, da classe proletária, é cair num relativismo, embora Marx afirme ser isento, pois acredita estar sendo imparcial quanto sua tese, pois afirma que a Ciência pode ser obtida através de outra classe senão o proletariado, até mesmo da pequena burguesia e da própria burguesia, como no caso de Sismondi e Ricardo, ambos representantes da burguesia. Para Marx o que realmente contava era a intenção e a boa vontade em se buscar a verdade de fato. Porém desta maneira Marx cai na rede crítica do positivismo, pois desta forma Marx acrescenta elementos morais e psicológicos em sua teoria dita materialista, assim como o próprio ecletismo, pois ao selecionar fragmentos teóricos para formatar um todo, Marx cai na mesma incógnita historicista.
Um estudo metódico do livro de Michael Löwy, “Ideologias e Ciência Social – Elementos para uma análise marxista.” Demonstra que o autor em questão é marxista. A forma em que ele é irônico ao apresentar o Positivismo e o Historicismo, sua apresentação é carregada de valor de juízo. Ao apresentar o marxismo ele não formula nenhuma proposição hegeliana, nem mesmo menciona aquele que influenciou Marx em sua teoria, ou posso dizer dogma. Não se pode esquecer que se trata de um pensamento Absoluto e determinista, pois ao subverter a teoria hegeliana Marx retirou o atributo “Absoluto” de Deus e transpôs este no homem, sendo o materialismo histórico representado pela luta de classes, em última análise, no homem. É determinista, critica feita constantemente ao hegelianismo, porém não é lembrado que o marxismo também o é. Isso se dá no tocante ao necessitarismo da revolução proletária que antecederá ao comunismo efetivo. Além do mais, por ser uma teoria totalizante, sua prática se dará somente diante ao totalitarismo, coisa esta já comprovada pela própria história. Retomando o texto do autor, um único momento em que percebi um pouco de honestidade científica foi quando ao final do capítulo IV, Michael Löwy correlaciona a teoria marxista com a religião, pois para crer em seus postulados é necessário uma boa dose de Fé.
Outra abordagem que deve ser frisada; o próprio Marx não era um pobre proletário e muito menos Engels. É interessante notar que, na história, a grande maioria daqueles que professaram a “FÉ” marxista também não eram pertencente a pobre coitada classe proletária. A realidade mostra exatamente o contrário, quem está embaixo quer subir e adentrar ao mundo dito pequeno-burguês ou ainda quem sabe pertencer de fato a burguesia. Longe de ser especulações, tais afirmativas são constatações empíricas de que o “pobre”, o proletário, para usar um termo da liturgia marxista, não deseja continuar nesta sua situação e almeja conquistar, não uma casa comunal, mas uma propriedade, a melhor que o capital possa adquirir. Essas afirmativas últimas poderão ser facilmente taxadas por algum marxista com alguma de suas “ladainhas”, “alienado”, por exemplo, entretanto, neste momento confessam sua derrota frente aos fatos históricos e demonstram sua falta de capacidade argumentativa.
O parágrafo imediatamente anterior a este é uma comprovação de que a suspensão de juízo quando em busca do conhecimento humano é inviável. O autor, cuja obra está supracitada, ao transcorrer sobre as Escolas em questão, não consegue manter sua pretensa neutralidade como almejava o positivismo; coloca-se dentro do próprio texto com dizeres “eu penso”, “eu acredito”, entre outras formulações que demonstram sua posição em relação aquilo que procura conhecer, assim como apregoa o Historicismo torna-se objeto de sua própria análise, perdendo o distanciamento dito necessário para busca efetiva da verdade epistemológica. Na tentativa de resolver o problema cai no relativismo, pois ao acrescentar opiniões a sua textualização, contextualiza uma tomada de posição, a sua, um círculo vicioso.
Estas mesmas opiniões são facilmente diagnosticadas, um termo que cabe ao se tratar disto, como sendo uma tomada de posição claramente marxista. Posição que disfarçadamente o próprio, simuladamente tenta disfarçar ao ser irônico, como já comentado, no final do capítulo IV. Porém ele ali está sendo mais crítico da Religião, da Teologia, ou ainda de Deus do que propriamente do marxismo.
Foi lido outra obra, com o propósito de comparará-la com a teoria marxista no tocante a conceituar esta como tal ou negar esta conceituação, dizendo os porquês. Foi lido o livro “História & Teoria – Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade.” De José Carlos Reis. A leitura foi feita com voracidade, a qual proporcionou indizível prazer intelectual a este que escreve.
Apresentei este livro a um outro professor em sala de aula e este comentou que o autor em questão era marxista, do qual houve discordância veemente de minha parte. O livro está impregnado de juízo de valor, disse o professor, acredito que ele deve ter esquecido de Max Weber quando quando proferiu essa infeliz sentença. Ele, o autor do livro, comenta as teorias da Modernidade Iluminista, passa pelo positivismo e pelo marxismo, porém é no Historicismo que ele demonstra empatia, sua identificação com Dilthey , pensador desta Escola é notória.
O título deste texto implicitamente demonstra a dificuldade de se chegar a Verdade e por conseguinte ao conhecimento. A pergunta que fica é: É possível fazer Ciência? Principalmente ciências humanas? Mesmo antes de ler o livro de José Carlos Reis já me questionava sobre esta dificuldade e argumentava se em virtude das evidentes impossibilidades de se chegar a Verdade quando esta se refere a Ciência Humanas eu atrevia-me a pensar que não, não é possível fazer Ciência quando o objeto deste é o próprio homem. Portanto, História, a Sociologia e as demais Ciências Socias na verdade não são ciência, são atividades intelectuais que proporcionam prazer, segundo a interpretação a interpretação do autor deste livro e da qual eu compartilho. Atividade esta entretanto que deve ser desenvolvida com uma postura de quem faz ciência, dignidade, respeito, profissionalismo ético, mas sobretudo honestidade consigo e para com o outro . Neste momento eu concordo com Marx, o que conta é a motivação e a postura diante do que se propõem a fazer. Se HISTÓRIA não é ciência? E daí? Continuará a fascinar aqueles que por ela se apaixonaram. Parafraseando Shakespeare , “O que é um nome? Acaso a rosa tivesse outro nome, não teria esta o mesmo perfume?” O sábio dramaturgo inglês punha aqui, como costumeiramente fazia, uma questão claramente filosófica, ontológica na boca de sua doce Julieta. Os historiadores reconhecem o valor de sua atividade, subjetivamente a devoram, agora, perdendo esta o “status” de Ciência, deixará de ser o que é para cada um de seus partidários? Acredito que não! A atitude racional e científica e até mesmo lógica e aceitar humildemente a conclusão decorrente das premissas históricas: História não é Ciência. José Carlos Reis mostrou que não são poucos que pensam desta forma. Venha engrossar este ponto de vista! “ Mais um relativista!”
Não sou marxista, penso que o conteúdo deste ensaio deixa isso explícito, entretanto derivo prazer intelectual em ler e transcorrer sobre tema tão vasto, tanto porque meus conhecimentos a respeito são limitados e acredito que quanto mais sei menos sei, a proporção epistemológica e cognitiva é paradoxalmente e proporcionalmente inversa, coisas que o velho e bom Sócrates já dizia, enfim, embora não seja marxista desejo conhecer melhor essa teoria e a leitura a respeito toda vez que ma faço transcorre naturalmente, prazerosamente. Tudo isso para contrapor com outro senhor, Émile Durkheim, emitindo uma opinião pessoal antes de adentrar no trabalho propriamente dito, é um sujeito cansativo cuja teoria a mim me parece insípida assim como tudo o mais que se aproxime do positivismo.
Tentar estudar as relações humanas como se estuda a queda livre dos corpos no vácuo é além de uma irracionalidade epistemológica assim como uma arrogância, pois nesta postura está implícita a crença de que se é possível ter um conhecimento universal a respeito das relações humanas assim como se se acreditou poder ter sobre a natureza, no caso a Física, um conhecimento Absoluto.
Ao meu ver a produção epistemológica “durkheiminiana” fica truncada, o português diria “Isto não resulta opâ!”Traduzindo para o “idioma brasileiro”, “Isso não funciona.” Durkheim nega toda uma tradição filosófica, nega a dedução como meio de se chegar ao conhecimento. O absurdo ainda não foi apresentado, até mesmo na época Weber criticou essa teoria por este pressuposto. Por postular o método indutivo, empirista e subjetivo, Durkheim adverte o pesquisador de que este deverá ao mesmo tempo em que adentra a pesquisa manter-se distante desta. Weber brinca dizendo que seria como se alguém que afundando em um lamaçal no intuito de se salvar começasse a puxar-se pelos cabelos. Ou seja, como o pesquisador que está imiscuindo definitivamente na pesquisa não ter nenhum senso valorativo a respeito desta mesma pesquisa?
Weber tem um olhar mais pragmático, aceitável e diria racional e esse racional fica por minha conta. Ele diz ser impossível não ter nenhuma carga valorativa prévia no inicio de uma pesquisa. Essa é que dirá até mesmo o tipo de pesquisa que será desenvolvida, o interesse desta, os objetivos da mesma, as hipóteses que serão levantadas. Entretanto, Weber converge com Durkheim, no momento do desenvolvimento da pesquisa e principalmente da conclusão, o sujeito do conhecimento deverá estar livre de qualquer tipo de valoração que possa o influenciar a pesquisa.
Disse antes que a teoria de Durkheim é truncada e explico melhor. A mim parece contraditório ao mesmo tempo existam premissas dentro de uma teoria que sejam categóricas, absolutas com a que se refere a obrigação de despir-se de todo sentimento e de toda pré-noção em relação ao objeto e ao mesmo tem ao definir o conceito de normal utiliza-se de premissas relativas, pragmáticas. Isso dentro de uma construção teórica causa a ruptura da “arquitetura” do “edifício” que foi construído contradições só mantém-se edificadas se forem devidamente conciliadas como diria um filósofo analítico ou se forem sintetizadas se forem ditas pelas palavras de um dialético, caso contrário “não resulta opâ!” Ainda mais por quem renega a filosofia e principalmente a dedução e apela para o empirismo que só mostra as aparências do mundo sensível sem demonstrar a verdade que somente a razão pode fornecer.
Salve o Iluminismo, salve Adam Smith, salve Hegel ,salve o liberalismo, mas também salvem, com ressalvas é claro, Marx, pois embora discordo ideologicamente deste, quanto visão de mundo, revoluções, etecetera e tal, este não renegou a filosofia como meio de se chegar a Verdade, principalmente a Razão, Filosofia desconectada da razão não pode ser considerada filosofia. Agora, depois de transcorrer estas laudas sobre o assunto proposto, a conclusão a que se chega é socrática: Que nada sei! É possível encontrarmos a verdade ao fazermos ciência do social? São estas reflexões que mantém acessa a sede de conhecer e de buscar esta TAL VERDADE estando ela na sociologia, na história ou em qualquer outra ciência. Cabe a nós , cientistas da HUMANIDADE, como humanistas que somos, oriundos de ciências que se devotam a compreensão do homem sob seus mais variados aspectos estarmos atentos no transcorrer do desenvolvimento de nossa profissão para contribuirmos para o engrandecimento deste conhecimento , com nossas pesquisas e nossa postura perante a sociedade como profissionais competentes que formarão outros profissionais que se o serão competentes em muito dependerá da minha parte , do meu interesse como profissional. E assim continuarmos, embora sabedores de que nunca a encontraremos de fato , continuarmos a buscarmos esta VERDADE!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Procura-se

William Shakespeare – ROMEU E JULIETA

JULIETA - Romeu, Romeu! Ah! por que és tu Romeu? Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se
não quiseres, jura ao menos que amor me tens, porque uma Capuleto deixarei de ser logo.
ROMEU (à parte) - Continuo ouvindo-a mais um pouco, ou lhe respondo?
JULIETA - Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não
fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença
ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação
teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição
que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo,
fica comigo inteira.
ROMEU - Sim, aceito tua palavra
.
Dá-me o nome apenas de amor, que ficarei rebatizado. De agora em
diante não serei Romeu.


“Saber um conceito é saber usá-lo”
Wittgenstein

Procura-se

Pode parecer equivocado iniciar um texto com uma epígrafe tão extensa quanto à apresentada e ainda por cima ser esta, pelo menos a primeira vista, um corpo estranho ao assunto proposto, "o nome das coisas" . A epígrafe que segue, curtíssima, porém completa em seu sentido, busca elucidar o porquê deste texto estar inserido neste presente ensaio. Se não o fizer de imediato, o desenvolvimento do mesmo o fará. Esse “complexo” não recebe aqui uma carga cujo sentido seja de difícil assimilação e sim que responde por si a epígrafe antecedente.
O problema que foi proposto a ser resolvido é acima de tudo uma questão ontológica . Em segundo plano mas não menos importante uma questão concomitantemente epistemológica. “Fundamentalismo e integrismo: os nomes e a coisa.” Existe uma desordem conceitual quanto ao uso desses conceitos, o senso comum sabiamente possui um ditado popular que resume o problema diante de situação similar diz-se que “errou-se o nome à pessoa”. Na voz de Julieta Shakespeare introduz uma questão filosófica em sua obra, como aliás lhe era peculiar, sendo esta de ordem ontológica: “Julieta - Meu inimigo é apenas o teu nome”. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não
fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença
ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação
teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição
que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo,
fica comigo inteira.”
Não importava à Julieta o nome que Romeu possuía, antes importava o que realmente este era. O nome poderia apenas sustentar uma aparência e não deixar que a realidade, a verdade fosse suscetível à percepção sensível. Ou seja a questão era entre o ser e o não ser, questão tão antiga quanto à própria filosofia.
O autor do texto que segue é seguidamente questionado tanto pelos docentes quanto pelos discentes do curso de História que do qual o próprio é aluno por levar de maneira excessiva a filosofia para dentro do curso. A Nova História orgulha-se tanto em ser transdisciplinar em sua associação com outras disciplinas da área de humanas mas aparentemente, se não no discurso, pelo menos não veementemente, mas na prática, repudia aquela que possibilitou um dia estarmos tendo uma metodologia racional, uma ciência, enfim, daquela que toda Ciência deve seu “nascimento”. Ao leitor deste texto peço desculpas pela digressão incontida.
O pretexto histórico para a presente discussão é a “Revolução tradicionalista” do Irã em 1979. Êpa! Revolução tradicionalista? Não existe aí um equívoco conceitual? Uma contradição? Em essência uma revolução provoca uma ruptura, por sua vez algo tradicionalista dá a idéia de permanência. Como compreender esses acontecimentos sem compreender esses conceitos?

Pesquisando na rede mundial sobre integrismo achei o seguinte que gostaria de partilhar:
Sobre a “Doença do Islão”, de Abdelwahab Meddeb, passo a citar e comentar algumas passagens do livro:
“Se, segundo Voltaire, a intolerância foi a doença do catolicismo, se o nazismo foi a doença da Alemanha que Thomas Mann auscultou, o Integrismo é a doença do Islão.”
Disponível em:<http://espectivas.wordpress.com/2007/09/05/abdelwahab-meddeb-o-integrismo-e-a-turquia-1/>
O olhar ocidental sobre fatos orientais criou a necessidade deste ocidental instrumentalizar-se com o que dispunha-se teoricamente afim de objetivar o conhecimento. Weber já dizia ser impossível se despir de todo e qualquer preconceito quando se busca o conhecimento. Sempre carrega-se consigo algum pressuposto que de alguma forma influenciará o “novo” conhecimento a que se chegue. Portanto, quando o europeu percebe existir uma COISA no Irã cujo NOME a Europa já conhecia, ou seja, uma forma totalizante de regime que imiscuía tanto política quanto religião sob a égide da intolerância , que no caso da Europa a intolerância religiosa foi muito mais explicitada à parte da política que ficou implícita sob o véu das monarquias, conclui então tratar-se no mínimo de algo que poderia, pelas similitudes receber um nome já cunhado na Europa para aquela coisa que era o INTEGRALISMO , desconsiderando as diferenças culturais é claro.
O texto que deve ser a fonte do presente trabalho na página 184 cita Weber quando este tece comentários a respeito do Islã: “...uma religião de guerreiros que queriam conquistar o mundo, uma ordem cavalheiresca de cruzados disciplinados.” Isso lembrou a esse que escreve da pesquisa na rede, pesquisa já mencionada em site já supracitado que será transcrito parcialmente na tentativa de corroborar com a citação de Weber.
“Não os combatais junto da Mesquita Sagrada antes de vos terem combatido, mas, se vos combatem, matai-os! Essa é a recompensa dos incrédulos.” - Alcorão, Capítulo II, 191
“Matai-os até que a perseguição não exista e esteja em seu lugar a religião de Deus. Se eles se converterem, não haverá mais hostilidade: esta não cessará senão para os justos.” - Alcorão, Capítulo II, 193
“Não é próprio de um crente matar outro crente.” – Alcorão, Cap. IV, 92
Aqui, Maomé, mais benevolente, considera que “não é próprio que um crente mate outro crente”. Mas nada diz se é próprio (ou não) que um crente mate um não-crente. Para bom entendedor…
“Os infiéis são o vosso inimigo declarado.” – Alcorão, Cap. IV, 101
Para o Islamismo, o assassínio não é, necessariamente, um acto eticamente condenável. É mesmo recomendável, em determinadas situações. Existem muitas outras passagens do Alcorão que incitam directamente os fiéis à violência, e mesmo ao assassínio.”
Disponível em: <> acessado nov.27 2007

Estar então a religião presente na política de forma absoluta, totalizante e intolerante era característica que essencialmente formatava o integralismo. Interessante foi a percepção do uso do verbo “formatar” na construção da última frase. Lembra a teoria das idéias de Platão. No mundo das Idéias todos as COISAS tinham suas respectivas formas universais que no mundo sensível recebiam seus respectivos NOMES pela participação que usufruíam das formas destas coisas no mundo das idéias. Portanto, por ocasião da construção do conceito híbrido, visto que quem o construiu foi um ocidental, com toda carga de pressupostos ocidentalizantes sobre um panorama atípica a este, diria Platão que a construção teórica foi nada mais nada menos do que “fazer” com que a forma universal da COISA participasse com o NOME desta.
Muitos acreditam tratar-se de pleonasmo quando fala-se fundamentalismo mulçulmano. Isso deve-se a crença errônea quanto a origem do fundamentalismo quanto pensamento . Ao contrário do que acredita-se o a origem deste pensamento é protestante norte-americano. É o que hoje poderia se chamar de uma contra cultura. O Século XIX estava impregnado por pensamentos onde a razão, coisa que já vinha ocorrendo desde o final do século XVII, mas que no período em questão teve seu ápice com o desenvolvimento das ciências Humanas. Surge no cenário científico Darwin e sua teoria evolucionista que para a época, que para época surpreendeu a humanidade ao afirmar não ser o homem fruto de um ser supremo mas obra da natureza.
O Fundamentalismo antes de mais nada é criacionista e nega a possibilidade de erro da bíblia. Como o fundamentalista percebe na ciência, na modernidade uma ameaça a suas crenças o fundamentalismo volta-se contra essa modernidade e militando em prol de uma tradição. Entretanto, para o fundamentalista até mesmo esta tradição já foi à priori contaminada por esta modernidade a ser combatida. O pensamento fundamentalista tanto no século XX quanto no início do XXI é sinônimo de fanatismo. O dogmatismo envolvido em suas práticas, hoje já mais conhecidas pelo Islã do que por aqueles que o originaram, protestantes norte-americanos, assustam a humanidade nos noticiários pois a violência empregada em seus atos supostamente religiosos tem uma finalidade reacionária e mítica por ser um retorno a um tempo fundador, quase mítico. Isso poderia ser melhor estudado com as teorias de Mircea Eliade, em sua obra O mito do eterno retorno. Embora possuam diferenças as semelhanças são marcantes no tocante ao retorno temporal.
Logo, PROCURA-SE o NOME e as COISAS. Julieta aos 12 anos de idade já sabia que o importante não é o nome, pois o nome não representa a essência da coisa. Procura-se na razão a verdade que persiste em esconder-se por trás das aparências. O ser que é único e transmuta-se na multiplicidade. Wittgenstein diz: “Saber um conceito é saber usa-lo.” Platão diria que seria conhecer sua forma universal, só assim seria possível conhecer este conceito no mundo. O que fica para os historiadores é a dificuldade e o desafio de dominar conceitos para a compreensão do objeto de estudo do mesmo, as alternâncias do homem no tempo e no espaço, o Devir histórico. Na falta de conceitos apropriados é na filosofia, na epistemologia que o historiador vem buscar guarida. A construção teórica se faz necessária para a compreensão histórica do mundo. Procura-se incansavelmente as ferramentas para o trabalho deste que labuta com o passado, procura-se nos lugares mais inimagináveis, na canastra da Emília do Sítio do Pica-Pau-Amarelo, na caixa de Pandora, na dramaturgia “shakespeariana”, na filosofia hegeliana ou em qualquer outro lugar onde a verdade das COISAS podem estar contidas atrás dos NOMES destas. PROCURA-SE, CASO NÃO ACHAR O HISTORIADOR QUE NÃO FOR MERO VASCULHADOR DE CACARECOS, MAS SOBRETUDO UM PENSADOR ELE INVENVENTA A FERRAMENTA CERTA, SE NÃO FOR A CERTA, PRAGMATICAMENTE SERVIRÁ.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Deus na terra dos homens – “Direito Divino” frente “Destino Manifesto”

Antigo Regime

O Antigo Regime é o período histórico europeu correspondente às monarquias absolutistas. A partir do século XII começaram a se formar na Europa os Estados Nacionais, dos quais Portugal é o primeiro.
Porém, esta é uma realidade que vai se fazendo paulatinamente. Conforme estes Estados vão se constituindo, vão se formando monarquias como regime governamental.

O Feudalismo O sistema feudal inviabilizava qualquer forma de centralização governamental. Os nobres fragmentaram o poder entre si , o qual era proporcional ao domínio territorial. Desta maneira a figura do rei era destituída de qualquer poder significativo frente aos demais nobres. Enquanto os monarcas enfrentavam neste longo período histórico um ostracismo político, a Igreja por outro lado tratou de fundamentar-se durante esse transcorrer histórico obscuro, solidificando-se como Instituição inconteste. A Idade Moderna termina com a Igreja sendo detentora do poder político europeu, pois suas prerrogativas sobre as mais sólidas monarquias de então é inegável. Tanto o era que os reis de Espanha , Fernando e Isabel são conhecidos como os “Reis Católicos”.

O “Direito Divino”

A fase que expressa o absolutismo em seu ápice foi pronunciada por Luiz XIV, o Rei Sol : L’ État c’est moi – O Estado sou eu. Na era moderna as monarquias absolutistas européias apropriaram-se dos Estados como se deles fossem proprietários, tornando-se desta maneira senhores destes, assim como os senhores feudais o eram em seus feudos de outrora. A forma de assegurar o Poder era assegurar o território. Mas sob que discurso essa situação persistiu? Essa ideologia impregnou os Estados europeus. Qual era essa e qual seu pressuposto maior ?A base de sustentação do poder monárquico absolutista estava alicerçado na idéia de que o poder dos reis tinha origem divina. O rei seria o “representante” de Deus na terra,o que permitiria desvincular-se de qualquer vínculo limitativo de sua autoridade. ( STRECK, LÊNIO LUIZ, 2001, p. 45 ) Percebe-se então que a justificativa ideológica passa pelo contexto religioso. A Igreja está desde a origem ligada intimamente a nobreza pois os membros do clero pertencem em quase sua totalidade a esta. Os interesses de uns está intimamente ligado aos interesses dos outros, assim clero, nobreza, realeza, poder, monarquias sempre pertenceram a um mesmo contexto. Durante as Grandes Navegações, sob o pretexto de catequizar os povos infiéis a Igreja se fez sempre presente nas naus que singravam os oceanos. Os reis de Espanha faziam seus representantes portarem uma espécie de ultimato aos povos dos lugares que a coroa espanhola fosso descobrindo e tomando posse. Esse documento descrevia uma série de atitudes a serem adotada tão logo os desbravadores aportassem em novas terras. Apresentavam se possível as credencias da coroa real ao povo nativo, como se estes o compreendessem, e os convidavam a tornarem –se cristãos, aceitando Cristo como salvador através do batismo católico. A recusa a qualquer destes procedimentos era determinante para a sentença de morte do insurgente. Assim, justificava-se o extermínio de milhões de indígenas nas Américas, tratava-se apenas de infiéis que recusavam-se a aceitarem Cristo em seus corações.O discurso desejava ser ético, contudo permitia o genocídio de milhões. O poder de um homem, o rei, havia sido absolutizado. Essa forma de poder fora, segundo a crença do “Direito Divino” outorgado pelo próprio Deus. Essa forma de governo resultou em uma série de problemas históricos, tendo seu auge com a Revolução Francesa. Em última instância a ideologia do “Direito Divino” está amparada em Deus e nele reside sua sustentação.

“Destino Manifesto”

As 13 colônias inglesas na América do Norte demonstraram ser desde suas respectivas origens possuírem um diferencial daquelas que haviam sido colonizadas pelos povos da península Ibérica, embora adotando o mesmo regime de “plantation”- monocultura de larga escala com mão de obra escrava. Ao contrário do que ocorreu no Brasil , por exemplo, os colonos que foram para a América do norte o fizeram no exercício de seu livre arbítrio, caso contrário dos primeiros colonos brasileiros que eram constituídos em sua grande maioria em exilados, considerados parias sociais em Portugal. Os colono ingleses eram protestantes, conhecidos como peregrinos, possuíam uma vida ascética e buscavam um lugar onde pudessem exercer sua religião sem interferência da coroa. Esses estabeleceram-se ao norte das colônias. Embora existissem outras colônias na América do norte, foi a imagem do peregrino, colono situado mais ao norte das 13 colônias que ofereceu o estereótipo cuja identidade norte-americana se moldou. Foram estes que inicialmente disseminaram a idéia deles próprios serem o novo Israel de Deus , o povo escolhido.

Razão à meia luz

Durante séculos a razão esteve subordinada à fé. Todo conhecimento era acumulado pela Igreja, pois sabia-se de antemão que o domínio do conhecimento possibilita um olhar crítico sobre o mundo e consequentemente sobre o “status qüo” vigente. A Igreja já havia instituído o Santo Ofício Inquisitorial para punir todo aquele que ousasse contrariá-la. Galileu Galilei para não terminar seus dias na fogueira negou frente ao Santo Ofício todo conhecimento que havia desenvolvido e resignou-se a pedir perdão a Santa Madre Igreja por ter se oposto aos seus “santos” e “infalíveis” conhecimentos. Todos sabem que isso não passou de um estratagema do grande físico. Sua maior produção científica deu-se posteriormente a esse fato,visto que sua sentença de herege foi atenuada pelo arrependimento e pedido de perdão que ao certo o condenaria a morte pela fogueira para uma pena de prisão perpétua domiciliar , assim pode dedicar-se integralmente a suas pesquisas enquanto cumpria sua pena imposta pela Igreja.O renascer da razão se deu sob longa e dolorosa dores de parto. A Igreja manteve engessada qualquer forma de pensar que pudesse desvincular fé e razão. São Tomás de Aquino e Santo Agostinho são expoentes desta época, onde estes sacerdotes posteriormente canonizados buscam organizar argumentos ontológicos que sustentam a existência divina através da razão. Santo Anselmo da Cantuária formulou um célebre argumento para a existência de Deus, argumento este que ficou conhecido como “ratio Anselmi”Cito Anselmo: "Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque "o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe"? Porém, o insipiente, quando eu digo: "o ser do qual não se pode pensar nada maior", ouve o que digo e compreende. Ora, aquilo que ele compreende se encontra em sua inteligência, ainda que possa não compreender que existe realmente. ... Mas "o ser do qual não é possível pensar nada maior" não pode existir somente na inteligência. Se, pois, existisse apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; e que seria maior". (Proslogion; cap. II) Disponível em: < http://www.speculum.art.br/module.php?a_id=1541> acesso14 nov. 2007-11-14 No limiar do século XVIII a humanidade transpira e conspira em torno da liberdade. A fé busca a razão. Os grilhões que a pendiam a escuridão devem ser rompidos e o que vem a tona é a luz, aquela luz da caverna platônica, onde os homens começam a perceber o mundo real, factível, cuja ferramenta para adentra-lo é a razão – A luz da humanidade.

O Iluminismo

A razão, que encontrava-se residente de mosteiros e abadias, vendo-se obrigada a dividir sua morada com a fé, cuja conciliação sempre fora uma questão pró-forma na intenção de satisfazer as predileções epistemológicas de seus anfitriões, sendo esta uma questão arbitrária, dogmática, portanto não racional. No final do século XVII e início do século XVIII a Europa promove um retorno cultural ao período histórico conhecido como Classicismo. Esse movimento refletiu em todas as áreas culturais. O pensamento Clássico, ou seja, a Razão, torna-se o centro das atividades intelectuais, desacreditando a fé como expressão de verdade. Grandes nomes surgem como expoentes deste pensamento iluminista, Voltaire,Rosseau, Montesquieu, Condorcet, Locke, Hobbes entre outros que disseminaram uma nova maneira de ver o mundo.A claridade proporcionada pelo Iluminismo, ou ainda Enciclopédia, trouxe a idéia de Igualdade, Fraternidade e Liberdade entre os homens. Essas idéias liberais iriam a partir de então modificar as relações individuais das pessoas bem como das nações. O desejo de possuir uma propriedade passava mais pelo “status” de liberdade que a condição de proprietário propriamente dito. A relação do homem com as coisa do mundo a partir de então passam por severas alterações. O mundo da idéias passa a exercer domínio no mundo sensível, aspirações deixam de sê-las para tornarem-se parte do dia-a-dia da humanidade, uma nova ideologia está sendo forjada. Os ideais iluministas já haviam proporcionado algumas reformas nas monarquias dos chamados Déspotas Esclarecidos. Onde à luz dessas idéias tentou-se conciliar o liberalismo premente desta idéia então nascente com o então morredouro absolutismo. Porém na Europa estas idéias estavam ainda em processo de levedura, fermentando. Não havia surgido a oportunidade que estas fossem mobilizadas com um planejamento prático e efetivo. Porém, do outro lado do oceano Atlântico a coisa se diferencia de contexto.

Revolução Americana

Na década de 1760 as 13 colônias da Inglaterra na América do Norte encontravam-se totalmente descontentes com a metrópole. A Maneira como o fisco era efetuado e vários outros fatores, entre estes a franca divulgação das idéias iluministas fez crescer entre os colonos o desejo de emancipação da metrópole que a muito já não aferia nenhum privilégio ao colono americano. A Inglaterra, enfraquecida pela Guerra dos 7 anos, embora vencedora encontrava-se dividida e sem condições de manter um outro conflito. Neste contexto em 1776 as 13 colônias declaram então sua independência. Após alguns anos onde a República foi consolidada, passando por dissensões internas a questão agora era a construção de uma identidade nacional. As 13 colônias, não constituíam uma unidade cultural. A tarefa era fazer com que se forjasse uma identidade que perpassasse a todas as colônias.
O povo eleito
Assim como fala Cuche (1996, p. 182) ...”A identidade é uma construção que se elabora em uma relação que se opõe um grupo aos outros grupos com os quais está em contato.” A função dos líderes da Revolução Americana era manter o êxito desta no tempo. Para tanto a necessidade era transformar aquilo que nasceu fracionado , em 13 segmentos territoriais distintos, cada um destes com representantes cuja tendência era a defesa de interesses mais imediatos, os seus. Fazer com que colonos de lugares diferentes se percebessem fazendo parte de um mesmo propósito foi o primeiro desafio norte-americano após a independência. O culto aos heróis da revolução, tendo estes suas imagens esculpidas em rocha em local tido pelos indígenas como sagrado teve uma carga simbólica imensa frente ao imaginário americano que percebe a partir de então naqueles homens uma aura mítica antes desprovida.Esse olhar sobre esses heróis que partilhavam de uma história comum forneceu uma das bases da identidade americana. Contudo, a principal tese da formação cultural da identidade norte-americana passa pela idéia mítica de se fazer pertencer a nação cujo povo fora eleito por Deus, assim como a narrativa bíblica relativa a Israel. Desta forma os E.U.A. estariam designados por Deus para guiar as nações da Terra, pois seriam o povo escolhido. Já em 1850 0 texto de White Jacket, escrito por Herman Melville (também autor de Moby Dick) escreveu:Nós americanos, somos o povo peculiar, escolhido- o Israel de nosso tempo; carregamos a arca das liberdades do mundo (...) Deus predestinou, e a humanidade espera grandes feitos da nossa raça; e grandes coisas sentimos em nossa alma. O resto das nações precisa, brevemente, estar na nossa retaguarda. Somos os pioneiros do mundo; a guarda avançada mandada através da terra virgem de coisas não experimentadas, para abrir no Novo Mundo um novo caminho que é nosso(...) Num período em que outras nações não fizeram senão balbuciar, nossa voz profunda é ouvida longe. Por longo tempo fomos céticos a respeito de nos mesmos e duvidamos se realmente o Messias político havia chegado. Mas ele chegou em nós, como se não tivéssemos feito senão dar expressão oral às suas inspirações.(MELVILLE apud JUNQUEIRA, 2001, p 37,38) Desde cedo em sua história os E.U.A. incorporou a crença do “Destino Manifesto” a sua identidade cultural. A partir desta crença esta nação vem influenciando não apenas sua própria história mas de maneira arbitrária articulando a política mundial. Na década de 1830 os americanos já se arvoravam em utilizar esta tese como justificativa de sua política externa com o México relativa a anexação do território do Texas pelos E.U.A., território este que era pertencente ao país vizinho que veio perde-lo graças a política expansionista norte-americana Pois bem, se necessitaram outras razões para justificar que agora eliminaremos o problema da anexação do Texas com o das mesquinharias de nossas antigas dissensões partidárias e o elevemos ao nível que lhe corresponde, que é dos altos e amplos objetivos nacionais, seguramente as acharemos, e em abundância, no modo como outras nações se propuseram intrometer-se neste assunto, interpor-se entre nós e os que são propriamente parte do assunto, em um espírito de interferência hostil para conosco, com o objetivo confesso de modificar nossa política e prejudicar nosso poder, limitando nossa grandeza e impedindo a realização de NOSSO DESTINO MANIFESTO que é estendermo-nos sobre o continente que a Providência fixou para o livre desenvolvimento de nossos milhões de habitantes, que ano após ano se multiplicaram.(O’ SULLIVAN apud OSCAR, 2000, p 250 – o grifo é meu) A identidade cultural, assim como afirma Denys Cuche, etnólogo estruturalista francês é uma construção. As bases da identidade americana está amparada na crença do povo escolhido , cujo “Destino Manifesto” foi manifesto a este povo o qual cabe cumprir com os desígnios divinos.
Deus na terra dos homens
A antropologia nos mostra que o homem enquanto espécie, desde que tomou consciência de sua história, concomitantemente a isso desenvolve uma necessidade inerente a si, embora contestada por muitos, a espiritualidade. Esta faria parte da natureza humana. Desde as mais primitivas formas de cultura algum tipo de espiritualidade encontra-se presente. Primitivamente esta espiritualidade estava ligada ao culto aos antepassados e a natureza. O que cabe aqui salientar é a inerência do homem com essa necessidade espiritual, que desde os seus primórdios busca ser suprida. Este projeto não possui a pretensão de ser um estudo teológico. Para esta pesquisa a existência ou não de Deus não está sendo questionada. Este projeto parte do pressuposto que Deus é uma construção cultural, portanto ele existe como elemento de um discurso justificativo, portanto um discurso ético. Segundo a visão que será apresentada a Terra é dos homens, nesta Terra Deus não é o potentado. Contudo, paradoxalmente é em Deus que o Homem busca legitimação do poder secular. O “Direito Divino é uma doutrina que tenta justificar o poder absoluto do rei por afirmar que este poder emana de Deus. Este “Direito Divino” representava, ou ainda, era a personificação do Antigo Regime, tudo aquilo que as idéias iluministas contestavam então. Liberdade, Fraternidade e Igualdade, palavras que viriam a ser bandeiras da Revolução Francesa, que anteriormente a esta antecederam do outro lado do Atlântico, nas 13 colônias inglesas o desejo de ver-se livre desse regime considerado então repressor por não proporcionar as virtudes que o Iluminismo propagava. Surge assim os E.U. A., com princípios iluministas , liberais e libertários, rompendo com a monarquia inglesa representante esta do Antigo Regime absolutista partidária do “Direito Divino”. Mas não era o próprio Deus que havia concedido o direito do qual os americanos estavam contestando como legítimo? O pressuposto das teses em questão é apenas um: Deus existe e concedeu ao rei ,no caso do “Direito Divino”, o direito de reinar em caráter absoluto. Por outro lado existe uma nação cuja identidade está baseada no pressuposto de que Deus existe e concedeu a esta Nação o direito de governar sobre as demais em caráter absoluto. Percebe-se que o movimento revolucionário norte-americano de 1776 planejou um corte no sistema de então negando sua ideologia de forma pragmática. Pois a revolução americana provocou mudanças na forma não na essência do discurso ideológico. Anteriormente o poder absoluto estava representado na figura de um indivíduo entre tantos, o rei. Agora esse poder absoluto seria exercito pela força de coação de uma nação sobre as demais. De certa maneira a ideologia absolutista seria mantida sob outro enfoque e principalmente sob outras mãos, o poder havia mudado de lado e com ele Deus. Ao emergir no cenário mundial cunhando desde seu nascedouro a imagem de ser detentora do favor Divino constitui-se como elemento da identidade nacional do povo americano que se vê como povo escolhido e manifesta este dizer em seus discursos oficias sem o pudor de constranger as demais nações do mundo. Para os reis absolutistas Deus avalizava seus respectivos reinados e aferia a estes o direito de dispor deste poder como lhes provesse, afinal o próprio Deus havia conferido a estes este direito. Este mesmo comportamento e claramente percebido em relação aos E.U.A. e a maneira que este se apresenta ao restante do mundo. Portanto, fica um problema a ser resolvido: O Devir histórico antagonizou “Direito Divino” e “Destino Manifesto” por estes representarem ideologias diametralmente opostas no cenário do pensamento político histórico. Entretanto, para justificar-se e legitimar-se ambas utilizam-se de um mesmo pressuposto teórico. Como idéias contraditórias podem ser fundamentadas em um mesmo princípio? Que princípio é esse?



Referências: ANDRADE, Abrahão Costa. Paul Ricouer: O sujeito na História, Síntese: revista de filosofia, Belo Horizonte, p. 29-42, jul. 2006 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais, 2ª edição, Bauru- SP, EDUSC, 1996 DAHLER, Hugo. O argumento ontológico de Santo Anselmo. Disponível em: < http://www.speculum.art.br/module.php?a_id=1541> acesso14 nov. 2007-11-14 JUNQUEIRA, Mary A . Estados Unidos: A consolidação da Nação, 1ª edição, São Paulo, Contexto, 2001 MORAIS, José L. B. de, STRECK, Lênio Luiz, Política e teoria geral do Estado, 2ª edição, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001 OSCAR, Aquino Jesus, História das Sociedades Americanas. 1ªedição, Rio de Janeiro – São Paulo; Editora Record,2000 REIS, José Carlos. História e teoria- Historicismo, modernidade, temporalidade e verdade, 1ª edição, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003 REIS, José Carlos. O Historicismo – A redescoberta da História. LOCUS – Revista da História, Juiz de Fora, p. 24-56 nov. 2002 ZILLES, Urbano. O problema do conhecimento de Deus, 2ª edição, Porto Alegre, EDIPUCRS, 1997 .