segunda-feira, 14 de abril de 2008

Procura-se

William Shakespeare – ROMEU E JULIETA

JULIETA - Romeu, Romeu! Ah! por que és tu Romeu? Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se
não quiseres, jura ao menos que amor me tens, porque uma Capuleto deixarei de ser logo.
ROMEU (à parte) - Continuo ouvindo-a mais um pouco, ou lhe respondo?
JULIETA - Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não
fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença
ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação
teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição
que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo,
fica comigo inteira.
ROMEU - Sim, aceito tua palavra
.
Dá-me o nome apenas de amor, que ficarei rebatizado. De agora em
diante não serei Romeu.


“Saber um conceito é saber usá-lo”
Wittgenstein

Procura-se

Pode parecer equivocado iniciar um texto com uma epígrafe tão extensa quanto à apresentada e ainda por cima ser esta, pelo menos a primeira vista, um corpo estranho ao assunto proposto, "o nome das coisas" . A epígrafe que segue, curtíssima, porém completa em seu sentido, busca elucidar o porquê deste texto estar inserido neste presente ensaio. Se não o fizer de imediato, o desenvolvimento do mesmo o fará. Esse “complexo” não recebe aqui uma carga cujo sentido seja de difícil assimilação e sim que responde por si a epígrafe antecedente.
O problema que foi proposto a ser resolvido é acima de tudo uma questão ontológica . Em segundo plano mas não menos importante uma questão concomitantemente epistemológica. “Fundamentalismo e integrismo: os nomes e a coisa.” Existe uma desordem conceitual quanto ao uso desses conceitos, o senso comum sabiamente possui um ditado popular que resume o problema diante de situação similar diz-se que “errou-se o nome à pessoa”. Na voz de Julieta Shakespeare introduz uma questão filosófica em sua obra, como aliás lhe era peculiar, sendo esta de ordem ontológica: “Julieta - Meu inimigo é apenas o teu nome”. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não
fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença
ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação
teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição
que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo,
fica comigo inteira.”
Não importava à Julieta o nome que Romeu possuía, antes importava o que realmente este era. O nome poderia apenas sustentar uma aparência e não deixar que a realidade, a verdade fosse suscetível à percepção sensível. Ou seja a questão era entre o ser e o não ser, questão tão antiga quanto à própria filosofia.
O autor do texto que segue é seguidamente questionado tanto pelos docentes quanto pelos discentes do curso de História que do qual o próprio é aluno por levar de maneira excessiva a filosofia para dentro do curso. A Nova História orgulha-se tanto em ser transdisciplinar em sua associação com outras disciplinas da área de humanas mas aparentemente, se não no discurso, pelo menos não veementemente, mas na prática, repudia aquela que possibilitou um dia estarmos tendo uma metodologia racional, uma ciência, enfim, daquela que toda Ciência deve seu “nascimento”. Ao leitor deste texto peço desculpas pela digressão incontida.
O pretexto histórico para a presente discussão é a “Revolução tradicionalista” do Irã em 1979. Êpa! Revolução tradicionalista? Não existe aí um equívoco conceitual? Uma contradição? Em essência uma revolução provoca uma ruptura, por sua vez algo tradicionalista dá a idéia de permanência. Como compreender esses acontecimentos sem compreender esses conceitos?

Pesquisando na rede mundial sobre integrismo achei o seguinte que gostaria de partilhar:
Sobre a “Doença do Islão”, de Abdelwahab Meddeb, passo a citar e comentar algumas passagens do livro:
“Se, segundo Voltaire, a intolerância foi a doença do catolicismo, se o nazismo foi a doença da Alemanha que Thomas Mann auscultou, o Integrismo é a doença do Islão.”
Disponível em:<http://espectivas.wordpress.com/2007/09/05/abdelwahab-meddeb-o-integrismo-e-a-turquia-1/>
O olhar ocidental sobre fatos orientais criou a necessidade deste ocidental instrumentalizar-se com o que dispunha-se teoricamente afim de objetivar o conhecimento. Weber já dizia ser impossível se despir de todo e qualquer preconceito quando se busca o conhecimento. Sempre carrega-se consigo algum pressuposto que de alguma forma influenciará o “novo” conhecimento a que se chegue. Portanto, quando o europeu percebe existir uma COISA no Irã cujo NOME a Europa já conhecia, ou seja, uma forma totalizante de regime que imiscuía tanto política quanto religião sob a égide da intolerância , que no caso da Europa a intolerância religiosa foi muito mais explicitada à parte da política que ficou implícita sob o véu das monarquias, conclui então tratar-se no mínimo de algo que poderia, pelas similitudes receber um nome já cunhado na Europa para aquela coisa que era o INTEGRALISMO , desconsiderando as diferenças culturais é claro.
O texto que deve ser a fonte do presente trabalho na página 184 cita Weber quando este tece comentários a respeito do Islã: “...uma religião de guerreiros que queriam conquistar o mundo, uma ordem cavalheiresca de cruzados disciplinados.” Isso lembrou a esse que escreve da pesquisa na rede, pesquisa já mencionada em site já supracitado que será transcrito parcialmente na tentativa de corroborar com a citação de Weber.
“Não os combatais junto da Mesquita Sagrada antes de vos terem combatido, mas, se vos combatem, matai-os! Essa é a recompensa dos incrédulos.” - Alcorão, Capítulo II, 191
“Matai-os até que a perseguição não exista e esteja em seu lugar a religião de Deus. Se eles se converterem, não haverá mais hostilidade: esta não cessará senão para os justos.” - Alcorão, Capítulo II, 193
“Não é próprio de um crente matar outro crente.” – Alcorão, Cap. IV, 92
Aqui, Maomé, mais benevolente, considera que “não é próprio que um crente mate outro crente”. Mas nada diz se é próprio (ou não) que um crente mate um não-crente. Para bom entendedor…
“Os infiéis são o vosso inimigo declarado.” – Alcorão, Cap. IV, 101
Para o Islamismo, o assassínio não é, necessariamente, um acto eticamente condenável. É mesmo recomendável, em determinadas situações. Existem muitas outras passagens do Alcorão que incitam directamente os fiéis à violência, e mesmo ao assassínio.”
Disponível em: <> acessado nov.27 2007

Estar então a religião presente na política de forma absoluta, totalizante e intolerante era característica que essencialmente formatava o integralismo. Interessante foi a percepção do uso do verbo “formatar” na construção da última frase. Lembra a teoria das idéias de Platão. No mundo das Idéias todos as COISAS tinham suas respectivas formas universais que no mundo sensível recebiam seus respectivos NOMES pela participação que usufruíam das formas destas coisas no mundo das idéias. Portanto, por ocasião da construção do conceito híbrido, visto que quem o construiu foi um ocidental, com toda carga de pressupostos ocidentalizantes sobre um panorama atípica a este, diria Platão que a construção teórica foi nada mais nada menos do que “fazer” com que a forma universal da COISA participasse com o NOME desta.
Muitos acreditam tratar-se de pleonasmo quando fala-se fundamentalismo mulçulmano. Isso deve-se a crença errônea quanto a origem do fundamentalismo quanto pensamento . Ao contrário do que acredita-se o a origem deste pensamento é protestante norte-americano. É o que hoje poderia se chamar de uma contra cultura. O Século XIX estava impregnado por pensamentos onde a razão, coisa que já vinha ocorrendo desde o final do século XVII, mas que no período em questão teve seu ápice com o desenvolvimento das ciências Humanas. Surge no cenário científico Darwin e sua teoria evolucionista que para a época, que para época surpreendeu a humanidade ao afirmar não ser o homem fruto de um ser supremo mas obra da natureza.
O Fundamentalismo antes de mais nada é criacionista e nega a possibilidade de erro da bíblia. Como o fundamentalista percebe na ciência, na modernidade uma ameaça a suas crenças o fundamentalismo volta-se contra essa modernidade e militando em prol de uma tradição. Entretanto, para o fundamentalista até mesmo esta tradição já foi à priori contaminada por esta modernidade a ser combatida. O pensamento fundamentalista tanto no século XX quanto no início do XXI é sinônimo de fanatismo. O dogmatismo envolvido em suas práticas, hoje já mais conhecidas pelo Islã do que por aqueles que o originaram, protestantes norte-americanos, assustam a humanidade nos noticiários pois a violência empregada em seus atos supostamente religiosos tem uma finalidade reacionária e mítica por ser um retorno a um tempo fundador, quase mítico. Isso poderia ser melhor estudado com as teorias de Mircea Eliade, em sua obra O mito do eterno retorno. Embora possuam diferenças as semelhanças são marcantes no tocante ao retorno temporal.
Logo, PROCURA-SE o NOME e as COISAS. Julieta aos 12 anos de idade já sabia que o importante não é o nome, pois o nome não representa a essência da coisa. Procura-se na razão a verdade que persiste em esconder-se por trás das aparências. O ser que é único e transmuta-se na multiplicidade. Wittgenstein diz: “Saber um conceito é saber usa-lo.” Platão diria que seria conhecer sua forma universal, só assim seria possível conhecer este conceito no mundo. O que fica para os historiadores é a dificuldade e o desafio de dominar conceitos para a compreensão do objeto de estudo do mesmo, as alternâncias do homem no tempo e no espaço, o Devir histórico. Na falta de conceitos apropriados é na filosofia, na epistemologia que o historiador vem buscar guarida. A construção teórica se faz necessária para a compreensão histórica do mundo. Procura-se incansavelmente as ferramentas para o trabalho deste que labuta com o passado, procura-se nos lugares mais inimagináveis, na canastra da Emília do Sítio do Pica-Pau-Amarelo, na caixa de Pandora, na dramaturgia “shakespeariana”, na filosofia hegeliana ou em qualquer outro lugar onde a verdade das COISAS podem estar contidas atrás dos NOMES destas. PROCURA-SE, CASO NÃO ACHAR O HISTORIADOR QUE NÃO FOR MERO VASCULHADOR DE CACARECOS, MAS SOBRETUDO UM PENSADOR ELE INVENVENTA A FERRAMENTA CERTA, SE NÃO FOR A CERTA, PRAGMATICAMENTE SERVIRÁ.

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