sexta-feira, 18 de abril de 2008

" DEMOCRACIA AO MOLHO CURRY"

No transcorrer do semestre 2007/1, na disciplina de História da Ásia I , o presente aluno traçou paralelos históricos com determinadas teorias. Primeiramente com o estruturalismo francês e posteriormente com a filosofia hegeliana.
Foi na época elaborado um ensaio onde procurou-se caracterizar os zamindars. No esforço de apresentar a filosofia de Hegel, utilizou-se deste personagem histórico da Índia como elemento argumentativo cuja conclusão inegável é o determinismo.
O texto utilizado como referência no que concerne aos zamindars foi: “As origens da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno.”; de Barrington Moore Jr. Este pesquisador além de descrever o contexto histórico, tece alguns juízos de valores. Fato que mais o intriga é como a Índia passa de uma burocracia agrária despótica para uma sociedade democrática, sem no entanto passar por uma revolução burguesa, industrial ou qualquer coisa que o valha no direcionamento de um fator que viesse desenvolver o capitalismo por vias semelhantes ao seu surgimento europeu.
Os ingleses chegam à Índia num primeiro momento, utilizando-se de um termo de Barrington, como piratas e encontram um regime decadente, o império mongol, em meados do século XVIII. Aquilo que começa de uma maneira, pode-se dizer até inconseqüente, devido ao fato dos ingleses expandirem-se cada vez mais seu plano de ação sobre o território indiano, torna a estes “senhores” da Índia.
Diante da constituição já sedimentada de sua hegemonia a questão era transformar a Índia de uma maneira tal que fosse possível nela a implantação empírica do discurso capitalista inglês. Nesta tentativa os ingleses utilizaram-se de um elemento recorrente no regime de dominação anterior – os zamindars, dando a estes não apenas a concessão de terras, mas a prerrogativa de proprietários.
Embora a dominação inglesa na Índia não possuísse a característica predatória do império mongol, pois a intenção era transformá-la em um grande mercado consumidor, esta mesma intenção gerava a conseqüente cobrança de impostos e o desistímulo à produção artesanal, característica não só econômica como sobretudo cultural.
Os ingleses, no exercício de sua dominação, além de sua intervenção política direta em solo indiano, exerceram uma tentativa de intervenção cultural. A proibição do sati é um forte exemplo. A morte da viúva em uma pira, onde o falecido esposo seria cremado era um costume milenar na Índia, costume este proscrito pelos ingleses.
Como as diferenças culturais eram gritantes e ainda, a “natureza” dessa cultura, a indiana, impedisse o franco desenvolvimento econômico, os ingleses exerciam forte pressão em modificar este sistema cultural. No exercício desta pressão de aculturação eles encontram uma forte resistência indiana.
Denys Cuche em sua obra, “ A noção de cultura nas ciências sociais” ao referir-se à dialética cultural que envolve o encontro de culturas, lança luz sobre o alicerce em que este encontro se desenvolve. Lembra este autor da existência de elementos culturais de ordem exógenos e os de ordem endógenos. E segue ele, que um elemento cultural exógeno somente é assimilado em determinada cultura quando os elementos endógenos permitem que este “corpo estranho” venha configurar, agora já como parte integrante desta dada cultura.
No entanto, no contato anglo-indu a aculturação não ocorreu dentro de um padrão harmonioso. As imposições dos ingleses aos indianos não ocorreram impunemente. A Revolta dos Cimpaios, no início da segunda metade do século XIX é uma prova desta afirmativa. O desejo de retorno aos costumes antigos era o fator determinante desta insurgência de cunho muito mais cultural do que propriamente político; isso dava a Revolta a peculiaridade de ser não revolucionária e sim de ser reacionária.
A origem das castas como divisor social e sua explicação para tanto, como sendo estas advinda da religiosidade politeísta hindu, onde a reencarnação é “dogma” inconteste desta crença, pode explicar a estagnação econômica da Índia. A resignação do indivíduo relativo ao seu contexto social, ou seja, relativo a casta a qual pertence, com todo os seus ônus, é imperativo para que na vida vindoura este indivíduo possa “vir” em uma casta superior. A observação de respeito e notoriedade dada de uma casta subalterna a uma outra superior é regiamente cumprida e para tanto existem uma série de reguladores culturais.
Entretanto, o sistema de castas tornava-se um impedimento para o desenvolvimento econômico da Índia, e a Inglaterra fazia o máximo no sentido de subverter este sistema , enfrentando em virtude disto franca oposição dos indianos que, sob liderança de Ghandi, na década de 1940, resistem e vencem a ocupação inglesa.
A resistência orquestrada por Ghandi era insólita, por consistir em ser pacífica. Contudo, sendo uma resistência detentora de forte alicerce teórico, quando colocado sob prova empírica se mostrou eficaz. Resistir significava não compactuar com a situação vigente, portanto, caberia aos indianos se negarem a fazer parte da engrenagem que move um sistema capitalista, no caso específico não mais abrindo o “mercado” ao consumo de produtos ingleses. Atitude esta que tornou o empreendimento inglês na Índia sem sentido e culminou com a retirada inglesa do território indiano e a conseqüente vitória dos insurretos pacíficos.
Porém, mesmo que houvesse resistência cultural, uma contra-cultura, nenhum contato cultural conhecido até hoje mostrou-se imune à aculturação. No caso anglo-indu a Índia veio a conhecer um sistema de governo que nasce sobretudo deste contato, pois a democracia, sistema político vigente hoje na Índia não possui outra origem se não este processo de aculturação. Pode-se dizer que a Índia ficou com a democracia e a Inglaterra com o curry.
O curry, tempero essencialmente indiano, foi apresentado ao mundo pelos ingleses. A abertura dada pelos ingleses ao curry junto às mesas britânicas, o que significava uma abertura cultural, permitindo que um elemento exógeno participasse de sua cultura, o que tornou esse tempero picante popular não só ao paladar inglês como do mundo todo. Hoje o curry é tão inglês quanto a Torre do Big Bang. Cabe lembrar que embora o curry seja de origem hindu, a notoriedade da cozinha britânica sem o curry jamais seria a mesma, pois para o cozinheiro desavisado o curry é um condimento inglês, tamanha foi a assimilação cultural deste elemento.
Uma característica prezada por este aluno é buscar o “livre pensamento”. Portanto, quero aqui conciliar a filosofia hegeliana e o estruturalismo francês de Cuche. Em relação a este último as idéias concernentes a esta apreciação já foram explicitadas no transcorrer deste texto, porém, onde entra Hegel nisto tudo? Ora, Hegel é inserido no argumento que tudo o que se sucedeu na Índia e a maneira como tudo se deu foi incontestavelmente determinado pelo Absoluto. Premissa essa confirmada pela simples perplexidade de Barrington em constatar que a Índia possuía um sistema político, a democracia, sem no entanto ter passado por fases aparentemente necessárias para o estabelecimento de um governo democrático.
Segundo Hegel cada povo recebe a aptidão cabível ao seu grau de desenvolvimento. Portanto, foi determinado que a Índia seria uma democracia, de acordo com o seu desenvolvimento e o Absoluto utilizou-se do grau de desenvolvimento de outro povo para que este povo asiático viesse a ser detentor deste modelo político. Em contrapartida a Inglaterra ficou com o curry e a pecha de ter inventado a receita da “Democracia ao molho curry” apreciada na Índia.

Nenhum comentário: